Caros amigos...
Ao longo de mais de uma década de atividades, nosso grupo de
pesquisa em Filosofia da Mente e Ciências Cognitivas vem debatendo um número
bastante significativo de temáticas que, direta ou transversalmente, possuem
implicações nos estudos desta área de conhecimento. Assim sendo, resolvemos
convidar os que desejarem a fazer parte de um novo projeto.
De modo bastante claro e direto, este novo projeto possui as
seguintes características:
a) Propiciar
uma discussão acerca da temática geral: DO MISTÉRIO AO PROBLEMA DA
CONSCIÊNCIA;
b) Vários
estudiosos das mais diversas áreas, bem como interessados em geral, estão
convidados para discutir, neste espaço, esta temática;
c) Informamos
que o grupo de pesquisa em Filosofia da Mente e Ciências Cognitivas e o
departamento de Pós-Graduação em Antropologia da UFRN serão os responsáveis
pela organização da publicação ao findar a discussão. Salientamos que, devido o
blog ser um espaço onde qualquer pessoa poderá participar da discussão, em
casos especiais em que houver fuga do tema ou comentários entendidos como não
pertinentes/relevantes ao assunto, estes, por sua vez, serão eliminados da
publicação (todavia, continuarão disponíveis no blog);
d) Enfatizamos
desde já que todos os participantes deverão, em suas postagens, deixar claro a
autoria dos comentários (comentários em que o nome completo do autor não estiver
disponível para verificação, serão automaticamente descartados);
e) Entendemos
que TODOS os participantes desta discussão estarão permitindo a publicação, a
posteriori, de seus comentários;
f) Informamos
a todos os participantes que este trabalho possui caráter interdisciplinar e
que os comentários podem ser bastante autorais. Entretanto, em caso de citações
de algum autor, que a referência venha já imediatamente após sua transcrição;
g) Um
bom DIÁLOGO a todos...
Prof. Nivaldo Machado
Prof. Jean Segata
Caros amigos!
ResponderExcluirEstamos aqui, mais uma vez, tentando abrir um espaço para que pesquisadores das mais diversas áreas do conhecimento e de curiosos sobre a temática possam estar discutindo de modo um tanto quanto não ortodoxo!
Talvez a inspiração platônica venha a ser um bom caminho para podermos dialogar. Creio particularmente que espaços abertos em que opiniões bastante diversificadas possam, quando acrescidas do tempero do amor pelo conhecimento, possibilitar um terreno altamente proveitoso para o desenvolvimento da ciência/filosofia.
Neste caminho, reitero meu convite a todos os que desejarem discutir este tema tão valioso para a ciência como para a filosofia que é a Consciência.
E, para começarmos nosso diálogo... gostaria de dizer que o tratamento refinado acerca da consciência hoje se institui como critério axial da reflexão em Filosofia da Mente, das Ciências Cognitivas, das Neurociências e até da própria psicologia (que aqui devido a variabilidade gigantesca de abordagens, quase sempre, estaremos nos reportando à psicologia que pretende se instituir como uma ciência e que possui uma aproximação muito estrita com as abordagens que entendem que o problema mente-cérebro e suas implicações evolucionárias, estejam no cerne de duas teorizações.).
A problemática da consciência é, para a filosofia e para as ciências da mente, especificamente, o mesmo que a fórmula dos números primos para a matemática: Uma questão de grande valia e solução dificílima. Ouso dizer que a dúvida que concerne à definição e estudo da existência de consciência é mais complicada de ser estudada e resolvida do que a fórmula dos números primos, pois se lida com metafísica e estudo profundo de entes que não apresentam dados de observação científica conclusivos.
ResponderExcluirRessaltando que a questão da consciência não se resume apenas à filosofia e às ciências da mente, mas se faz presente em vários âmbitos do conhecimento. Por exemplo, na física quântica são inúmeros os relatos de cientistas que argumentam da influência da observação humana (ou do simples pensar) na trajetória ou velocidade de uma partícula. Excluindo dessa conversa os famosos adeptos do "Salto Quântico" que carecem de livros de Física pra ler, muitos relatos sobre a influência do pensamento "consciente" no mundo exterior podem servir de embasamento para uma evidência material da existência de uma consciência. Tão importantes quanto são os estudos dos profissionais na área da Computação que trabalham com Inteligência Artificial. São estudiosos com "A Cabeça Bem Feita", diria Morin. É uma área de trabalho multidisciplinar, que exige engenho e empenho colossal e vem fazendo descobertas importantes sobre a consciência e da sua probabilidade de existência aumentar proporcionalmente à capacidade cerebral.
Steven Mithen, um célebre arqueólogo, meu objeto de estudo recente, utiliza de muito embasamento histórico e científico para afirmar que o provável surgimento da consciência como entendemos (se é que a entendemos claramente) hodiernamente se deu num momento importante da história, quando diversos módulos cerebrais diferentes, cada um representando uma inteligência, integraram-se. Dessa grande interação, podemos imaginar o ente cerebral, não-etéreo, mas de difícil compreensão orgânica, que compreenderia a totalidade de inteligências e surgiria como um mecanismo diferenciado.
Estudiosos de Inteligências Artificiais também argumentam ser a consciência uma mera ilusão, nada mais que apenas uma divagação da nossa grande capacidade de raciocínio e imaginação, totalmente compreensível, visto que nosso cérebro, como computador, jamais foi igualado por nenhum equipamento eletrônico. Alguns cientistas chegam a afirmar que, com o desenvolvimento dos computadores quânticos, máquinas computacionais também vão desenvolver o que chamamos de “consciência”, e então, com todo o registro dos processadores e slots de memória, poderemos compreender o intrincado processo, apesar dele não significar nada e não ser um ente especial.
Ademais, me encontro, ao divagar e ler sobre o assunto, numa linha tênue entre as duas visões. Penso ser a consciência algo de origem orgânica e cerebral, não-etérea, dependente da interação entre os módulos mentais de inteligências específicas. No entanto, penso que seu entendimento detalhado não é possível sem um desenvolvimento mais apurado das ciências da mente ou dos avanços em Inteligências Artificiais, pois penso que o estado de consciência é mais mecânico e menos “fetichezado” do que é afirmado majoritariamente.
Você acha possível fazer uma ciência da Mente? A partir de quais parâmetros?
ExcluirVinícius, o que exatamente você quer dizer com "de origem orgânica"? Pergunto isso porque, num primeiro momento, acharia estranho dizer algo como "Minha percepção daquela flor amarela tem uma origem orgânica".
ExcluirPrimeiramente, gostaria de dizer que lamento integrar de maneira atrasada nesta discussão. Entretanto, estive lendo os comentários e tentando estabelecer relações entre os mesmos, mas gostaria de começar deixando minhas ponderações aqui no começo...
ExcluirNivaldo,
Sem querer me meter nas suas indagações ao Vinícius, é claro, mas gostaria de deixar minha opinião acerca de seu questionamento.
Creio que, hodiernamente, o termo "ciência da mente" é um tanto incompreendido. Isso me faz lembrar da recente discussão na mesa redonda, "A Inflação das Neurociências", onde foi posto que existem tantas "neuroáreas" (ex, neuroeconomia, neurodireito, neurologia, neuropsiquiatria) que muitas vezes as pessoas acabam passando despercebidos pelas mesmas e tomando todas como sinônimos, banalizando-as, o que é exatamente o oposto do que deveria ser feito.
São várias as atribuições que podem ser dadas ao termo Ciência da Mente. Para ser honesta, creio que essa ciência já existe, mas não é consolidada como uma esfera única. Estive lendo o blog do colega Daniel Gontijo, e concordo com as palavras do mesmo quando diz que o cérebro e a mente não estão ligados, e estudar o cérebro não significa necessariamente estudar a mente, visto que a unidade "mente" não é empiricamente observável, exista ela ou não.
Assim sendo, arrisco dizer que a ciência da Mente não é uma ciência, mas várias ciências em conjunto, visto que a mente é objeto de estudo das ciências cognitivas e estas se formam pela junção de vários campos - a filosofia, a linguagem, a inteligência artificial, etc. Skinner admite justamente que a ciência cognitiva é a base para se criar a psicologia, em seu artigo "A Psicologia Pode Ser Uma Ciência Da Mente?", onde inclusive estabelece interessantes relações entre a psicologia e os chamados vernáculos - mas não vou fugir do tema no momento...
Daniel,
Sem querer me meter, novamente. Mas creio que ele se refere a um sentido de um fenômeno que não é físico, sendo assim, não é observável ou manuseável. Sendo assim, a percepção da flor amarela seria algo não próprio do cérebro, ou algo real, mas fruto de interações mentais que, atualmente, não temos condições de estudar mais a fundo com a tecnologia disponível.
Vinícius,
Estou certa em minhas ponderações ao Daniel? Foi isso que você quis efetivamente dizer?
Será que as duas "linhas tênues" que você menciona não fazem parte do mesmo caminho, a segunda linha sendo somente a justificativa para o que é fato, apontado anteriormente?
Estou aberta a críticas, visto que ainda não possuo uma bagagem de conhecimentos muito extensa sobre o tema.
Oi Natália,
ExcluirSuas ponderações e principalmente as preocupações são muito pertinentes. Não sei se podemos fazer uma ciência da mente/mental. Creio que podemos utilizar do termo mente para nos auxiliar na elaboração de diversas teorizações que nos venham a ser muito úteis. Todavia, é claro, devemos ter o cuidado para não ficarmos "batizado" (adorei essa tua expressão!!) novas áreas de investigação científica de modo completamente despreocupado.
E, neste contexto, levantas uma questão (que também não vou entrar nela agora) que certamente seria muito interessante um dia desses nos dedicarmos a investigar com maior rigor que é: A Psicologia pode ser uma Ciência da Mente? - e eu acrescentaria uma outra perguntinha junto: Poderá a Psicologia ser uma Ciência?
Natália,
ExcluirSó mesmo o Vinícius para nos esclarecer o que exatamente ele quis dizer. De momento, minha "interpretação caridosa" (só para começar a usar a expressão que aprendi recentemente com o Marcus), baseada no contexto de seu comportamento verbal, é a de que ele quis simplesmente dizer que a consciência depende do cérebro. Se for o caso, eu não tenho muito que objetar.
Nivaldo,
Desde que consigamos articular bem os eventos públicos (observáveis por todos) com os privados (a que apenas um indivíduo observa), acho que sim, a Psicologia pode estudar estes últimos cientificamente. Mas eu prefiro pensar que a "Psicologia" precisa ser uma ciência do COMPORTAMENTO, o qual diz respeito tanto aos eventos privados (pensamentos e sentimentos, basicamente) quanto aos públicos (respostas motoras). O problema levantado por você só me parece grandioso quando entendemos que o objeto da Psicologia é especificamente a "mente", isto é, o conjunto dos eventos privados. Skinner dedicou boa parte de sua obra a mostrar os limites teóricos e práticos do mentalismo. Não acho que devemos eliminar os eventos privados da Psicologia (nem Skinner achava), mas devemos ter o cuidado de colocá-los em seu devido lugar.
Lá vamos nós desviando do foco da discussão!...
Tentando dar seguimento ao debate iniciado no grupo do facebook cujo foco, acredito, é realismo versus antirrealismo acerca dos qualia, digo o seguinte.
ResponderExcluirO realismo acerca dos qualia parece plausível pelas seguintes razões. 1) Qualia são um fato da experiência e não um pressuposto como requer o eliminacionismo (não estou pressupondo agora que sinto frio, simplesmente sinto frio. Não vejo de que forma isso pode ser negado); 2) essa experiência, embora possa ser objeto da ciência, não pode ser “terceirizada”, isso porque implica um ponto de vista, que é intransferível na precisa medida em que ‘é como ser x num tempo t’ (para aproveitar a clássica fórmula nageliana da subjetividade). Consequentemente, sua condição de existência é precisamente esta: 3) existe enquanto experimentada por um agente e jamais de outro jeito. Trata-se, por isso, de um problema de contornos ontológicos.
MISTÉRIO AO PROBLEMA DA CONSCIÊNCIA bom vamos por parte do principio o problema já começa quando nos perguntamos quem somos? para onde eu vou? ou o que eu estou fazendo aqui ? acredito que quando estivermos essas resposta nossas consciência vai ter um remédio paliativo , não q será resolvido tudo isso,pq embora não sabemos a origem do sistema universal principio ativo principio animal ...o que rege que lei e essa que faz tudo se encaminhar em perfeita harmonia aonde os animais ,plantas seres vivos em geral tem aquele agente aquela energia vital do principio de todas as coisas o que pergunto como vc planta uma semente e nasce uma arvore pô como?a i vc diz é a natureza exato ,mas quem estar por trás dessa natureza desses agente cósmico um será uma consciência mais apurada mais inteligente ou será ? mais de uma que mantém tudo em harmonia.Nós somos consciente num corto físico nos pensamos não somos irracionais ,ai vai outro problema pois agente só nos conhecemos tipo físico no rosto por meio de espelhos imagens se não fosse isso como saberíamos a nossa aparência, seu corpo vc vê mas o sei rosto,então será q de fato esse e nosso corpo verdadeiramente? as:Eduardo Floriano Wolf
ResponderExcluirTemos 3 postagens e já temos 3 conceitos distintos de consciência!! Gostaria de comentar sobre a consciência como qualia, ou seja, nossa "habilidade" de ter experiências subjetivas. Pois bem, que sinto frio, como disse o Marcus, me parece também inegável. Mas que este frio é uma experiência particular de um tipo especial e, mais ainda, que merece por isso toda uma nova ontologia, esse, para mim, é o problema.
ExcluirVejamos o seguinte exemplo: posso pegar um computador, colocar um termômetro nele de modo que ele possa passar a ver qual é a temperatura do ambiente. Posso também programá-lo para saber dentro de qual limite de temperatura ele funciona melhor. Posso, depois, criar sinais de alerta nele quando esta temperatura fica muito fria (ou muito quente). Estes sinais de alerta podem ser de qualquer tipo, inclusive pode ser que ele comece a tremer (ou a tentar se esquentar por algum meio qualquer) e comece a soltar o seguinte som "estou com frio"... Até aí tudo bem. Vamos colocar alguns anos na nossa frente agora. Não sou muito de fazer previsões futuristas, não sei como vai ser o futuro, não sei se chegaremos na singularidade (robôs conscientes), mas posso dizer que estamos cada vez mais perto de robôs que conversam com tal maestria que passariam até no teste de Turing. Um robô deste pode ter acesso aos próprios estados, inclusive o estado de estar em uma temperatura ambiente muito fria para ele. Além disso, ele pode ser programado para ter uma visão míope sobre ele mesmo. Ou seja, ele não precisa saber que tem um termômetro, não precisa saber que tem um programa, não precisa saber nem mesmo que é um robô. Para ele, ele pode apenas "estar com frio"... Não pode?
Futurologia a parte, me responda, ele tem a experiência qualitativa de frio? Não seríamos nós apenas isso (seres criados pela seleção natural com termômetros internos capazes de expressar quando a temperatura está baixa para nosso funcionamento)??
Este sentido de "sentir frio", Marcus, me parece também inegável. Mas do mesmo modo que o computador (ou robô) não tem uma experiência qualitativa com ontologia distinta, nós também não. No entanto, temos (nós e o robô) acesso aos nossos estados (acesso este que não é especial, pois um programador poderia, em tese, ter um acesso até melhor)
Mas é claro que temos ainda que ver a solução de Chalmers, onde não só nós, mas também os computadores (e até os termostatos) têm qualia...
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirMarcus Vinícius,
ResponderExcluirQuando apresentas: "Consequentemente, sua condição de existência é precisamente esta: 3) existe enquanto experimentada por um agente e jamais de outro jeito."
Não consigo entender de onde veio a consequência de que "tal existência se dá num determinado agente e que isso implicará na impossibilidade de outro agente vir a experimentar?" Se isso for verdadeiro, creio que ficaria, pelo menos prima facie, muito difícil de afirmarmos algo do tipo: " X está com frio em em T1 (tempo-agora), todavia Y também está com frio em T1 tendo em vista que ambos estão no mesmo local G1(lugar-agora)". O que quero dizer é que me parece que SE determinado qualia for algo absolutamente encapsulado em seu experienciante, fica, novamente prima facia, muito difícil de estabelecermos qualquer tipo de comparação acerca deste evento "frio"....OK!
em continuum...
ResponderExcluirParece-me também que você elimina qualquer perspectiva futura de que eventos do tipo subjetivo de primeira pessoa possam vir a ser replicados, estudados, analisados do prisma científico, visto que este, por sua vez, necessita de evento públicos (passíveis de experimentação), logo, me parece, em nível de terceira pessoa.
Vinícius Zamboneti,
ResponderExcluirAinda hoje conversando com o Marlon Teixeira que pesquisa filosofia da matemática, falávamos sobre a própria condição atual da matemática como, por vezes, deveras insuficiente para tratar diversas questões. Transcrevo aqui nossa breve conversa que creio que venha ao encontro daquilo que apontas como também preocupante no que tange ao estudo da consciência. Talvez, para estudarmos a própria consciência tenhamos que rever modelos matemáticos de tratá-la (é claro, sem cair em especulações bizarras!):
de Acordo com o Marlon: "Filosofia, ciência e complexidade
O entusiasmo com relação às teorias físicas - Mecânica de Newton, principalmente - conduziu o pensamento social a um afastamento do pensamento matemático. Sistemas biológicos são de extrema complexidade e estão em contraste com a matemática que estrutura as teorias físicas - mesmo a Mecânica Quântica. A exagerada fé na matemática conduziu o pensador imediatista a modelos simplificados, os quais afugentaram o pensador social do pensamento matemático e, por hora, conduziu o próprio matemático a posições metafísico-religiosas. Esse mesmo contraste entre a complexidades dos sistemas biológicos - entre outros - e a simplicidade da matemática tradicional, somado a uma exagerada fé na última, afastaram ciência e filosofia. Encontra-se em estado de dogma a posição na qual ciência e filosofia seriam coisas distintas. Não é para menos, os modelos experimentais são bastante simples e o sujeito mais crítico não pode abster-se de pensar as questões mais complexas. A matemática se encontra em crise frente a complexidade - começa a ser comum a frase "não temos matemática para isso". Mas esses dois pensamentos começam a se reaproximar, a convergir - assim como no passado. A complexidade começa a ser "vista" em qualquer lugar e a simplicidade reconhecida como uma ilusão."
e continuei: " Além da expressão "não temos matemática para isso".... lembro uma vez que o professor Newton da Costa apontava para a necessidade justamente de termos estudiosos desenvolvendo modelos matemáticos para tratar questões que, a princípios, pela falta de modelos matemáticos suficientes, permanecem intratáveis!"
Gustavo Leal-Toledo,
ResponderExcluirMeu grande problema em relação aos qualias é que me parece que em algum momento eles exigem algum tipo de ontologia distinta. Lembro que a algum tempo atrás em conversa com o professor João Teixeira eu dizia que parecia que o Searle chegava a ser mais do que um dualista maquiado, mas sim, algum tipo de pluralista epistêmico. Pode parecer muito estranho, mas em diversos casos, o não aceitar a perspectiva monista e também temer ser enquadrado como um dualista substancial (diga-se de passagem que dualistas de propriedades são um modo apenas retórico de querer fugir da cisão substancial cartesiana!), parece implicar em alguma postura que não seja um reducionismo eliminativo, nem um dualismo, e sim, alguma outra coisa. Sinceramente, essa outra perspectiva pode até, acerca desta problemática existir, todavia, creio não ser possível de ser compreendida pelo inteligência humana!
ah! Antes que me acusem de ser reducionista ou que existe uma pluralidade de ontologias, eu já respondo: i) Não vejo problema algum em ser reducionista. Reduzir não implica em momento algum tornar algo simplório, mas sim, talvez simples, e isso, por si, não é problema. O problema só se dará em caso de que uma determinada redução acarrete erros.
ResponderExcluirii) A princípio creio que a base ontológica da consciência (que é nosso tema primordial aqui) ou esteja assentada no monismo-fisicalista, ou em algum tipo de dualismo. Se existir outra, gostaria de que alguém me ajudasse a entender qual é e como ela se constitui, pois, ela terá que ser não-monista E não-dualista (a não ser que alguém esteja disposto a aceitar que nossa consciência é como as figuras geométricas que foram postas em nossa cabeça por deus OU que a consciência tenha uma ontologia monista-espiritualista, logo, não dual e também não-material... Neste caso, eu me rendo!)
Oi Nivaldo,
ResponderExcluirAcho charmosa aquela ideia de Newton da Costa, que citas acima, sobre problemas que são intratáveis à falta de modelos matemáticos disponíveis. Os "problemas" existem eles por si próprios ou assim se tornam um, na incapacidade de modelos vigentes? E um novo modelo, ele "dá conta" de problemas antes intratáveis ou ele os cria, como resposta à sua produção? Sei lá, alguém precisa fazer às vezes de antirrealista aqui, não é! Modelos matemáticos são ótimos, para estudar problemas matemáticos. Os qualia também são um ótimo modelo, para estaudar os qualia. Sobra alguma coisa fora dos modelos? Se sobra, como poderemos saber, se são os modelos que nos permitem saber... Eu já bebi demais hoje, o que é ótimo, pois se estivesse sóbrio não diria aqui que "consciência" tal qual a conhecemos, não passa ela mesma de um modelo em disputa na filosofia. Não é um fato, uma coisa, um ente do mundo. É um modelo para explicar algum tipo de mecanismo, que supomos sermos os portadores, que produz as explicações. Para brincar com os exemplos já mencionados, é como criar um software - especial - que serve para explicar como são criados todos os outros softwares (ou não é nada disso e ponto).
Jean,
ExcluirA alguns anos discutimos sobre os mais diversos temas. E, na sua maioria, discordamos. Entretanto, gostaria de lembrar aqui de dois aspectos que sempre nos foram de grande auxílio em nossos debates: i) Jogar com as cartas abertas, ou seja, para os que não nos acompanham em nossos diálogos, jogar com as cartas abertas significa estarmos SEMPRE disponíveis a clarear (o tanto quanto for possível, mas sempre o máximo possível) os termos utilizados em nossas teses/argumentos; ii) ter na VIRTUDE INTELECTUAL um dos alicerces do método de nosso trabalho (ainda espero escrever sobre isso).
Assim posto, e sabendo que neste ponto concordamos sem restrições, vou tentar pontuar alguns fundamentos para que nossa discussão continue transcorrendo da forma mais clara possível ok!:
1) Não me sinto nenhum pouco a vontade com a ideia de que modelos criam realidades. Me parece muito contra-intuitivo. Concordo que eu precise melhorar isto, mas, por hora deixarei assim..OK!;
2) pensando sobre o que disseste acerca dos "problemas": a) Problemas precisam ter condições estruturais para assim poder serem chamados. Como falei no início de nossa discussão, parece que a Consciência é muito mais misteriosa do que propriamente um problema. Vou tentar ser mais claro: problemas são questões de inquérito acerca de algo. Mas eu preciso ter algum lugar para poder me firmar (mesmo que seja um pré-suposto momentâneo...OK) para poder edificar a arguição. Note, não tenho como problematizar a consciência se eu não der condições mínimas de entendimento da questão. O termo consciência é utilizado MUITAS vezes como se ele fosse algo dado, e isso é deveras perigoso...OK! Gosto muito de discutir com meus amigos psicólogos da preocupação que tenho quanto ao uso do termo fenômeno por exemplo. Ele parece servir para tudo... mas, em raros momentos, temos um tratamento sofisticado dele para, a posteriori, o utilizarmos de modo, pelo menos, razoável..OK! b) "Problemas" podem levar a novos problemas, bem com, podem também não serem passíveis, naquele determinado tempo e condições, ser tratato/resolvido. Mas "problemas" em si não possuem algum tipo de ontologia especial. Muito pelo contrário, são recursos metodológicos que auxiliam no tratamento de objetivos, e estes, por sua vez, podem exigir uma reformulação do problema, sua eliminação ou também o surgimento de nossos problemas derivados dos procedimentos investigativos...OK!
3) Modelos matemáticos são certamente um dos melhores recursos que a ciência pode lançar mão para auxiliar no tratamento dos "problemas". Entretanto é conveniente ressaltar que, em diversas circunstâncias, modelos matemáticos podem gerar crises que resultem na necessidade de se formular problemas e estes, por sua vez, deverão ser tratados para que se possa dar continuidade ao empreendimento primeiro de investigação. No que tange à eficácia funcional ter modelagens para auxiliar no tratamento de diversos problemas científicos é sempre uma boa ideia. Entretanto, isso são implica que, por ser funcional, isso seja o mais correto (não é uma implicação necessária evidentemente!), mas é muito útil para o progresso da elaboração de tecnologias, por exemplo. O que me deixa um tanto quanto desconfortável é com a abertura de uma ataque a estas minhas colocações acerca dos modelos matemáticos; posso certamente ser acusado de algum tipo de relativismo modelístico, ou seja, para cada situação-problema, um modelo matemático diferente, logo, o que nortearia a própria matemática seriam as circunstancialidades... E isso não me deixa nada confortável!
4) Tratar a consciência como um modelo explicativo para questões cognitivas não é mesmo uma má ideia (tendo ela maior ou menor rigor matemático. Digo isto pois não creio que, apenas de concordar que a matemática ainda é um dos melhores recursos que temos para fazer ciência/filosofia)
Jean, gostei bastante desta analogia: "Para brincar com os exemplos já mencionados, é como criar um software - especial - que serve para explicar como são criados todos os outros softwares". Imagino que, se queremos explicar a consciência, teríamos que poder contar com recursos que estão fora, além ou ao lado da consciência. Não podemos explicar satisfatoriamente por que um carro trafega em certa direção apenas especificando como seu motor e rodas funcionam e se relacionam: precisamos também especificar a rua, as placas, os outros carros e, é claro, o comportamento do motorista. É por isso que eu não vejo como o "problema difícil" da consciência pode ser resolvido. Não podemos recorrer a outros elementos que não aqueles que compõem a consciência para explicá-la. Podemos até especificar a estrutura necessária para que ela (presumivelmente) emerja (o que já seria um grande avanço!), mas não podemos explicar POR QUE ela "acompanha" o funcionamento dessa estrutura.
ExcluirPois então, a questão é "como ser antirrealista em relação aos qualia?" Se você trata como um dado da experiência, é impossível, mas se você trata como um "modelo", não existe grande problema. Eu trato como "modelo", uma teoria, ou melhor, uma forma que utilizamos para explicar nosso próprio comportamento e, a partir disto, o comportamento de outros. Isso deixa tudo muito mais interessante, pois os qualia passam a ser, de certa forma, uma perspectiva de TERCEIRA pessoa! Creio que somos levados a este ponto por uma série de questões que acredito que vão aparecer mais apropriadamente no decorrer do debate, mas a principal delas é que podemos estar errados sobre nossos próprios qualia.
ResponderExcluirGustavo,
ExcluirJá adiantando um pouco... Eu trato a consciência também como um algoritmo de compressão. Se a consciência só poder ser experienciada em nível de primeira pessoa, creio que podemos parar já nossa discussão, pois estaríamos tendo um diálogo surdo e mudo em relação aos nossos interlocutores. Se a consciência não for um evento público em nenhuma instância, ela não poderá ser tratada de modo algum (salvo é claro por cada EU que a possuir. E se isto for o caso, cessa de modo óbvio, qualquer possibilidade de comunicação acerca desta questão).
Por isso que prefiro tratar a consciência como um algoritmo (no sentido brando do termo é claro). Assim fica a consciência para a ser altamente útil no tratamento de diversas outras questões. Ela se torna econômica e funcional. Ou como apontei para o jean Segata acima, não vejo nenhum mal em entender a consciência como um modelo funcional. Mas, não consigo ver a possibilidade de alguma ontologia para a consciência (tratável) em nível de primeira pessoa, pelo simples fato de que não seria mais público, logo, não passível de tratamento. Ou como gosto de dizer, a consciência fica muito bem como um recurso para o tratamento de outros problemas, e, quando for o caso de ser ela o foco da análise, creio que tenhamos que ainda sair do tal mistério para um problema bem formulado. Ou fazer o que faço, entender a consciência como um recurso linguístico bem apropriado. Um modelo!
Nivaldo, você está sugerindo que podemos "terceirizar" a consciência? Ademais, estaria sugerindo que só podemos estudar cientificamente objetos e eventos públicos? Se sim, acha então que é impossível estudarmos cientificamente os sonhos, as lembranças e os sentimentos?
ExcluirDaniel,
ExcluirSe eu entendi o que quiseste dizer com "terceirizar", algo mais ou menos no sentido de ser um evento público ou tratável em nível de terceira pessoa, a resposta é sim. Mas é necessário muita cautela, OK! Não estou admitindo que exista uma tal consciência e que ela possua propriedades especiais diferentes das encontradas no mundo físico. Não admito em nenhum momento uma postura dualista (ao longo dos demais comentários irás perceber isso claramente).
Quanto a sua indagação de que só podemos estudar cientificamente evento públicos, novamente recomendo a cautela, todavia, novamente diria que sim. Não nego que existam evento privados, sem embargo, apresento como extremamente difícil (creio até impossível) tratarmos cientificamente evento privados, pelo simples fato de que me parece óbvio que algo que seja inacessível, possa vir a ser acessado, é contradição absolutamente evidente, ok!
Porém,
A implicação disso na impossibilidade de estudarmos cientificamente os sonhos, as lembranças e os sentimentos não se aplica. Só se aplica se eles forem evento absolutamente privadas, neste caso, sim. Neste caminho, eu diria que, se existir algo nestes elementos que não sejam privados, estes, por sua vez, serão passíveis de tratamento científico. O que irá variar serão os dados deste empreendimento científico que poderão/terão que depender do fator tempo e dos avanços dos instrumentos utilizados.
Este comentário foi removido pelo autor.
ExcluirNivaldo,
ExcluirEntão, o que seria a consciência em termos públicos? E sobre os sonhos, as lembranças e os sentimentos, o que há neles que pode ser "publicamente acessado"?
Daniel,
ExcluirVou tentar ser o mais claro possível e apresentar já de saída muito do que eu vou pagar o preço por me comprometer, ok! Se por acaso faltar algo, fique a vontade para solicitar esclarecimentos e, principalmente, em caso de inconsistência, apontá-la!
Vamos lá:
1) Eu não sou partidário de nenhum tipo de dualismo (de modo muito especial, não aceito o dualismo de substância, ou seja, a crença de que exitam duas bases ontológicas para a realidade. E, é claro, rejeito muito mais qualquer pluralismo ontológico (ou epistemológico que tente justificar essa tese));
2) Tentando já entrar em sua pergunta: "Então, o que seria a consciência em termos públicos?" - Eu entendo a consciência numa versão muito deflacionária. Vou tentar ser mais claro. Não minha abordagem entendo a consciência como um termo (algoritmo de compressão) altamente útil que nos auxilie no processo comunicacional. Veja, nesta perspectiva, não estou admitindo que exista uma coisa que seja essa tal "consciência" enquanto um qualia, e, muito menos, que essa mesma "consciência" possua propriedades substanciais especiais que impliquem que ela possua elementos em sua ontologia distintos dos que eu poderia encontrar em qualquer outra instância da natureza. Ainda neste caminho, entendendo a "consciência" como sendo um termo (ou uma ficção útil como por vezes uso) altamente econômico, e, por isso útil (a utilidade e economia se dão na razão direta de que eu sou limitado por questões de minha espécie e também do tempo disponível para explicar todos os termos, em seus pormenores, durante meu processo comunicacional. Por isso, lanço mão de termos/palavras que me auxiliam muito nisso (ou como usei quando aproveitei o exemplo dado pelo Felipe aqui mesmo nesta discussão quando ele trouxe a plenária a questão da gravidade. Note, o termo gravidade é um clássico exemplo disso que estou falando. Posso não saber quais e quais são os elementos que interagem e que constituem o evento "gravidade", todavia, mesmo apenas de posse de seus efeitos, a "gravidade" é útil para uma infinidade de questões com as quais ela se vê diretamente/transversalmente implicada. E isso é muito útil na construção civil, por exemplo!).
3) Então você poderia voltar a me perguntare: OK, mas a consciência é um evento público? E eu responderia: Se entendes com que um termo que auxilia na tentativa de entender melhor o comportamento/ação de uma gama muito extensa de elementos que são funções cognitivas, eu diria que sim. Se você entender a consciência como sendo um pedaço do cérebro, eu diria que sim. Se entenderes a consciência como sendo a parte de nosso organismo que nos auxilia a conhecer as coisas, lembrar delas, sonhar com elas, esquecer delas, etc, eu continuaria a dizer que sim. Todavia, se optares por entender a consciência como um estado subjetivo de primeira pessoa absolutamente privado e de ontologia não existente no mundo físico/material (não vou entrar na discussão aqui acerca da possível diferença entre instância físicas e materias, ok! Vou partir do princípio que sejam instância que possuam corporeidade, apenas isso!), neste caso, não.
Creio agora Daniel que para sua segundo pergunta: " E sobre os sonhos, as lembranças e os sentimentos, o que há neles que pode ser "publicamente acessado"?" - a resposta se torna um pouco mais fácil. Veja, os sonhos, lembranças, sentimentos são mais alguns exemplos clássicos dos termos úteis que tanto falo (ou melhor, num sentido também deflacionário, são algoritmo de compressão). E, também nestes casos, você pode aplicar a mesma argumentação que apresentei acima. É claro, neste caminho, grossíssimo modo, eu poderia dizer, com o intuito claro aqui de provocar alguns psicólogos (dos quais eu também já fiz parte e que muito me incomodava) dizendo: Sonhos, lembranças e sentimentos não existem! (mas isso é uma brincadeira é óbvio!kkkk)
ExcluirUm programador poderia ter acesso melhor à vida interna do robô, certamente, mas somente numa certa acepção de “acessar”. Até o momento a distinção que fiz no outro grupo sobre a noção de “acesso” está sendo ignorada. Falar-se em acessar qualia é enganador. Qualia não é algo que se acesse, é um ponto de vista. Uma perspectiva. “Ter” um quale é simplesmente ser afetado a partir de um ponto de vista singular, singular no exato sentido de que para ser afetado daquela forma, é necessário ser aquele sujeito e não outro.
ResponderExcluirAinda sobre o robô do Gustavo, diria sem medo algum que ele tem qualia! Ora, que evidência melhor para atribuir vida consciente a um organismo (mesmo artificial) do que o comportamento complexo? Nesse ponto cabe legitimamente um raciocínio abdutivo:
1. se x é consciente então se comporta complexamente;
2. x se comporta complexamente;
3. logo x é consciente.
Esse tipo de inferência não tem validade dedutiva, mas é válido assim mesmo (uma validade informal). Por que é um bom argumento? Porque pensar num sistema estrutural e comportamentalmente complexo, que age exatamente como se tivesse consciência, mas que mesmo assim não a tem, parece fazer tanto sentido quanto dizer que aquela pedra tem tudo o que uma pedra dever ter, composição química, ‘habilidade’ de quebrar vidraças, etc., com exceção de que não tem ‘solidez’. Dennett tem um argumento análogo a esse...
Assim sendo, pensar num sistema funcionalmente indistinguível de seres conscientes, e que inclusive nos “força” a descrever seu comportamento em termos intencionais, parece-me metafísica e nomologicamente impossível. Nesse sentido, a postura intencional de Dennett, parece mais que uma postura; é um método eficiente para se atribuir (realisticamente) consciência. Isto é, se estamos num caso em que para compreender adequadamente o comportamento de um sistema, não podemos evitar a postura intencional, então estamos justificados em atribuí-lo consciência (ainda que exista uma distinção entre intencionalidade e consciência qualitativa).
Marcus,
Excluirestava pensando sobre esse argumento abdutivo apresentado e na sua interpretação da conclusão do mesmo. Você não estaria estrapolando um pouco ao afirmar que o indivíduo x em questão é consciente? Explico. Como sabemos, argumentos abdutivos são não-dedutivos, i.e. mesmo em argumentos válidos, a verdade das premissas não acarreta a verdade da conclusão. Com isso, a conclusão do seu argumento estaria estabelecendo apenas que x ser consciente é a melhor explicação para seu comportamento complexo. Isso, como você bem notou, nos justifica a atribuir consciência a x, mas não exclui, de maneira conclusiva, que x não passe de um autômato sem consciência. Por tudo que sabemos, x é consciente, mas ainda assim, x pode não o ser.
Ao que me parece, você está pendendo, nesse comentário acima, entre esta interpretação fraca da conclusão e a uma mais forte. A interpretação mais forte parece ser a de que x é consciente, dado o argumento. Porém, não é isso que um argumento abdutivo tipicamente nos justifica a acreditar. Ao que me parece é justamente por isso que Dennett enfatiza que a postura intencional nos justifica a [b]atribuir[/b] consciência a um indivúduo. Como é claro, podemos estar justificados a atribuir consciência a indivúduos inconsciêntes.
Assim, ainda que tenhamos boas razões (é uma questão adicional saber se temos mesmo tais razões) para aceitar a interpretação fraca da conclusão, não temos boas razões para aceitar a interpretação forte, inclusive, temos razões para rejeitá-la.
Eduardo,
ExcluirConcordo com sua preocupação. Eu até acresceria, mesmo não sendo um refinado lógico como você, acerca de que não me parece, necessariamente, a melhor evidência para se atribuir vida consciente a um organismo o critério do comportamento complexo. Note, posso dizer que o trânsito em São Paulo se comporta de modo complexo, posso também dizer que um átomo qualquer possui uma estrutura complexa, posso também estar justificado por n motivos de que estas minhas suposições sejam verdadeiras (no sentido de que tenho bons argumentos e informações que apontem nesta direção, ok!), logo, eu teria que aceitar a seguinte consequência: "portanto, O Trânsito de São Paulo e o átomo-qualquer possuem vida consciente"
e no esquema dado, se substituirmos o valor de "x" polo Trânsito de São Paulo ou esse tal átoma-qualquer:
"Nesse ponto cabe legitimamente um raciocínio abdutivo:
1. se x é consciente então se comporta complexamente;
2. x se comporta complexamente;
3. logo x é consciente. "
Creio, que, como disseste, ao olhar para este raciocínio agora, "Assim, ainda que tenhamos boas razões (é uma questão adicional saber se temos mesmo tais razões) para aceitar a interpretação fraca da conclusão, não temos boas razões para aceitar a interpretação forte, inclusive, temos razões para rejeitá-la."
Prezado Marcus,
ExcluirComplementando as críticas do Eduardo e do Nivaldo, acho que seu raciocínio já começa com um problema em aberto, a saber, o de explicar o que exatamente caracteriza a complexidade. E, a depender da definição que escolhemos, a premissa "se x é consciente então se comporta complexamente" pode ser frontalmente contestada. Por exemplo, indivíduos acometidos pela "síndrome do encarceramento" possuem um repertório comportamental muitíssimo simples, e ainda assim são conscientes. Nós mesmos, enquanto dormimos, ficamos eventualmente conscientes (enquanto sonhamos), mas dormir-e-sonhar é um comportamento demasiadamente simples quando comparado a jogar futebol, relacionar-se virtualmente e cozinhar. Indo pelo caminho inverso, o computador doméstico é uma das entidades mais complexas jamais inventadas, e ainda assim não tendemos a atribuir consciência a ele.
Eu sugeriria algo assim:
1. Eu sou um sistema consciente.
2. X comporta-se como a mim.
3. Logo, X deve ser consciente.
Não acho que esse raciocínio esgota as possibilidades, pois pode ser o caso de que seres com comportamentos pouquíssimo familiares sejam conscientes. Mas, de todo modo, concordo com que os comportamentos que nos fazem atribuir intenções a sistemas são também aqueles que justificam nossa atribuição de consciência. Minha sugestão estaria próxima do seu raciocínio neste sentido: só atribuímos intenção a seres que possuem alguma semelhança (sobretudo funcional/comportamental) com nós mesmos. Só não acho que devemos ser tão categóricos em nossas conclusões, e é por isso que eu prefiro "X deve ser consciente" a "X é consciente".
Caro Eduardo...
ExcluirClaro que um argumento abdutivo não justifica dedutivamente sua conclusão, fosse assim, não seria um argumento abdutivo, seria dedutivo! Por isso, não sei bem qual é a sua objeção ou se realmente está fazendo uma. Se o que pretende é sugerir que só obtemos conclusões justificadas mediante argumentos dedutivos então está errado. Mas parece que também não é isso que o colega pretende. De qualquer modo é importante dissiparmos ao menos duas ideias incorretas:
1) Se um argumento é dedutivamente inválido, logo não é válido;
2) Se não há uma conexão dedutiva entre premissas e conclusão, logo as premissas não justificam a conclusão
É falso que por uma conclusão não se seguir de um argumento dedutivo, ele não é justificada. A ciência está repleta de procedimentos indutivos e abdutivos plenamente justificados. Atente para o seguinte: podemos dizer que a evolução é a melhor explicação para a grande variabilidade de seres vivos, mas isto não exclui a “explicação” criacionista. Não exclui precisamente porque esta última é logicamente possível. Portanto, a conclusão de um argumento não pode ser rejeitada apenas dizendo que é logicamente possível que seja falsa.
É por isso inadequado questionar a plausibilidade de um argumento, simplesmente dizendo que ele não é dedutivo. Para verificar a validade de um argumento dedutivo basta ter em conta a sua forma lógica. Mas esse procedimento não é suficiente para verificarmos a validade não-dedutiva, visto que essa validade não é imanente a forma: a conexão entre premissas e conclusão é epistêmica, não é formal. Portanto, a validade desse tipo de raciocínio é parcialmente determinada por aspectos extra-formais, o que significa que temos de contrastá-lo com o contexto cognitivo atual, com as evidências e informações disponíveis, com novos esquemas conceptuais.
Excluir“mesmo em argumentos [abdutivos] válidos, a verdade das premissas não acarreta a verdade da conclusão.”
Primeiramente, é necessário distinguir “acarretar” de “justificar”. Um argumento não precisa acarretar sua conclusão para que a justifique. Enquanto o argumento dedutivo torna impossível que a conclusão seja falsa caso as premissas sejam verdadeiras, o abdutivo torna improvável que a conclusão seja falsa dada a verdade das premissas (não se trata de acarretamento, isto é, de uma conexão lógica, mas de uma conexão epistêmica forte). Tudo o que se pode dizer de uma abdução válida, se o que temos em mente é a sua forma lógica, é que é logicamente possível que sua conclusão seja falsa (mas unicórnios também são logicamente possíveis). Importa salientar que a possibilidade lógica de que em um argumento abdutivo válido as premissas sejam verdadeiras e a conclusão falsa é consistente com a tese de que em tais argumentos seja metafisicamente impossível que as premissas sejam verdadeiras e a conclusão seja falsa. Ou seja, se o argumento dos zumbis pode ser refutado mediante um argumento abdutivo válido, isso pode significar que seja metafisicamente impossível (e por mudus tollens, nomologicamente impossível) que existam zumbis, mesmo que essas quimeras sejam logicamente possíveis.
“Por tudo que sabemos, x é consciente, mas ainda assim, x pode não o ser.”
O que se precisa distinguir agora, e isso é fundamental, são os diferentes domínios do conceito de possibilidade. Começando do mais amplo ao mais restrito temos: o conjunto das possibilidades lógicas (que se divide em dois tipos); o das possibilidades metafísicas; e o das possibilidades nomológicas. Veja, é logicamente possível que o cobre não se dilate quando aquecido (satisfeitas as demais condições), mas é nomologicamente impossível que não se dilate quando aquecido. Analogamente, zumbis chalmerianos são logicamente possíveis, mas é presumível que sejam nomologicamente impossíveis. E se formos naturalistas ontológicos, o que nos leva a pensar que os conjuntos das possibilidades metafísicas e das possibilidades nomológicas são coextensivos, podemos dizer, então, que zumbis são metafisicamente impossíveis.
Caro Marcus,
Excluirobrigado pelos esclarecimentos prestados. Ficou difícil apresentar uma objeção pontual ao seu argumento porque tive dificuldades em entender a sua defesa das premissas do argumento e de sua relação, em grande parte pelo seu uso de uma analogia nesta defesa. Vou tentar ser mais explícito. Veja se estou certo. Pelo que entendi, você defendeu ou sugeriu que, dado que um organismo tem comportamento complexo e que se fosse consciente, teria tal comportamento, tal organismo é consciente (essa seria a melhor explicação para tal compto complexo). Minha objeção é: a força da conclusão parece estar sendo exagerada. Ainda que seu argumento nos justifique a acreditar na conclusão, ele nos justifica apenas a acreditar que é provável, ou melhor, que a melhor explicação para o compto complexo de tal organismo é que ele é consciente. Seria um erro, no entanto, pensar que o argumento nos justifica a acreditar, sem qualificações, que tal organismo é consciente. Essa segunda leitura foi o que chamei de "leitura forte" da conclusão. Note que supus, para fins de argumentação, que seu argumento é um bom argumento. Sabemos que nem todos argumentos são bons argumentos. Com os argumentos abdutivos não é diferente. O Nivaldo me pareceu apresentar uma objeção à validade do seu argumento.
Agora, não sei se a objeção funciona porque não sei se foi isso que você quis defender. Só que do jeito que vc apresentou a defesa do argumento, me pareceu que estava tentando dar uma leitura mais forte à conclusão do que o argumento, que ao meu ver, não está justificada pelo argumento.
um abraço
Claro que a dedução nos dá maior confiança, não nego isso. Mas não só de deduções vivem os raciocínios válidos. O ponto é que validade nem sempre é sinônimo de ‘forma lógica’. Nem mesmo a “dedutividade” é sinônimo de forma lógica. Quer ver como uma forma lógica inválida pode instanciar argumentos dedutivamente válidos?
Excluir1. Se x é triangular, então tem 3 lados
2. X tem 3 lados
C. Logo X é triangular
Sabe que forma lógica é essa? A de uma afirmação do consequente. É uma falácia formal. Mas veja, o argumento é dedutivamente válido! Temos um caso de argumento dedutivo válido, cuja validade também não se deve a forma lógica. Uma raridade, mas existe! E note, o argumento acima tem a forma de uma abdução!
Isso é possível porque o argumento se sustenta numa verdade analítica implícita nas premissas.
“Isso, como você bem notou, nos justifica a atribuir consciência a x, mas não exclui, de maneira conclusiva, que x não passe de um autômato sem consciência.”
Pelo que pude ver o colega admite que um argumento abdutivo válido pode nos dar justificação para sustentar uma determinada hipótese filosófica ou científica. Por outro lado, a mera possibilidade lógica de uma hipótese estar errada não é justificativa para recusá-la. Não temos razões para rejeitar a segunda lei da termodinâmica apenas porque é logicamente possível que ela esteja errada. Pensando em algo mais fraco que uma lei... não temos razões para recusar o realismo ontológico apenas porque é logicamente possível que nada exista para além da mente. No mesmo sentido, não podemos recusar a hipótese de que a consciência tenha uma relação causal com o comportamento apenas porque é logicamente possível um mundo zumbi. É verdade que a hipótese do zumbi não pode ser rechaçada em absoluto por algum procedimento de prova infalível, mas não é uma hipótese respeitável apenas por isso.
Caro Marcus,
Excluirnão tenho preconceito contra argumentos abdutivos. Nas suas respostas, vc está bastante emprenhado em mostrar que há razões louváveis para levar a sério argumentos abdutivos. Isso nunca esteve em disputa. Não estou apresentando uma objeção ao tipo de argumento que você usou. Só estou tentando apresentar uma objeção à sua defesa do argumento.
Note, pode ser que seja um bom argumento mas vc tenha feito uma má defesa dele. Isso impediria seus interlocutores de aceitarem o argumento (não estou dizendo que é esse o caso). A função deste blog é o de ajudar a melhorar a defesa dos argumentos aqui discutidos. Ou, no outro extremo, apresentar uma boa refutação do argumento. Isso, contudo, não é nada fácil. É preciso paciência e dedicação. Montar uma boa defesa dos argumentos, antecipar e pensar em objeções inteligentes e contra-exemplos, etc. É isso que estou tentando fazer.
bem, já me alonguei demais
um abraço a todos
Caros Nivaldo e Daniel...
ExcluirAs considerações de vocês refutam meu argumento por reductio, mas só por falta de caridade interpretativa. Esse princípio (o da caridade) é de fundamental importância, pois é o que nos impede de optar pela pior interpretação da fala de nossos interlocutores, nos levando a fazer interpretações mais “justas”. Reconheço que ‘complexidade’ é um termo demasiado genérico, mas notem que não usei termos como ‘funcionamento’ nem ‘movimento’, mas ‘comportamento’, querendo me referir a uma ação no ambiente que indica uma relação intencional (a menos que adquiram consciência, computadores não se comportam, apenas funcionam). Notem que no post estou amarrando a noção de ‘comportamento complexo’a de intencionalidade e com a ideia de que alguns sistemas complexos (não todos) tornam praticamente impossível a interpretação, explicação e previsão de seu comportamento sem apelarmos a uma “postura intencional”. Vejam o parágrafo final do post que criticaram:
“(...) pensar num sistema funcionalmente indistinguível de seres conscientes, e que inclusive nos “força” a descrever seu comportamento em termos intencionais, parece-me metafísica e nomologicamente impossível. Nesse sentido, a postura intencional de Dennett, parece mais que uma postura; é um método eficiente para se atribuir (realisticamente) consciência. Isto é, se estamos num caso em que para compreender adequadamente o comportamento de um sistema, não podemos evitar a postura intencional, então estamos justificados em atribuí-lo consciência.”
Não sei se o Daniel já leu algo a respeito, mas no behaviorismo radical há ramificações ‘intencionalistas’. Keep calm! Trata-se de um intencionalismo instrumental, semelhante ao de Dennett, e que reconhece o valor heurístico de expressões intencionais para especificar certos tipos de relações de controle entre o ambiente e o comportamento operante (naquela discussão que tivemos no face alguns usuários postaram referências sobre esse assunto) Acredito que seja algo que agrade ao Nivaldo e ao Gustavo, principalmente considerando que o behaviorismo radical é uma forma de antimentalismo mais sofisticada que as teorias de Dennett e de Churchland. Já a tese que estou defendendo, se arrisca um pouco mais, pois entende que a postura intencional é mais que uma ferramenta heurística, trata-se de um método para justificar atribuições mentalísticas (reais) a certos tipos de agentes. Vamos substituir a infeliz expressão ‘complexidade’ por ‘intencionalidade’. Eis então o argumento:
1) Se S é consciente, então seu comportamento só pode ser adequadamente descrito pela postura intencional.
2) O comportamento de S só pode ser adequadamente descrito pela postura intencional.
3) Logo, S é consciente.
Por não ser dedutivo, esse argumento precisa ser avaliado tendo-se em vista os tipos de conexões epistêmicas (e não apenas lógicas) entre premissas e conclusão. ‘S’, por exemplo, não é um notebook, nem um zumbi, estamos falando em um sistema que realmente demanda por uma interpretação intencional.
* "naquela discussão que tivemos no face alguns usuários postaram referências sobre esse assunto". Me referia a uma discussão sobre behaviorismo radical no grupo "Filosofia da Mente e Neurociências". Desse grupo só participaram o Daniel, Felipe e eu.
ExcluirCaro Daniel...
ExcluirVocê também usa um argumento não-dedutivo (um argumento por analogia). A mim parece um bom argumento. Mas note, ele também pode ser refutado por reductio. A expressão ‘eu’ é um indexical. A referência de indexicais muda conforme o contexto. Se um contexto é indeterminado, o indexical também será. Em seu argumento ‘eu’ refere a um sistema qualquer que possa referir a si em primeira pessoa, o que não implica consciência. Esse ‘eu’ pode ser um software, ou quem sabe um zumbi. Assim, a conclusão do argumento pode ser recusada. Mas dado o contexto da discussão podemos conceder que esse ‘eu’, refere-se a um agente paradigmaticamente consciente (como você, por exemplo... Aliás, ‘você’ é um indexical também). Por isso, com um pouco de caridade interpretativa, ele pode ser considerado um bom argumento.
“Só não acho que devemos ser tão categóricos em nossas conclusões, e é por isso que eu prefiro "X deve ser consciente" a "X é consciente".
Mas veja, não fui categórico. Precisamente por ser um argumento abdutivo, não há necessidade de incluir um ‘deve’ na conclusão, já que esse tipo de argumento não pretende tornar a conclusão irrecusável, mas apenas provável (muito provável). Por isso o que ele diz é justamente “x deve ser consciente” (entendendo o seu ‘deve’ como ‘é muito provável que seja’). Seria redundante incluir esse ‘deve’ na conclusão.
Por fim, o amigo disse duas coisas que me parecem intrigantes.
Por que razão dormir, sonhar ou ser acometido por síndrome do encarceramento constituem comportamentos simples? Tenho a impressão de que está avaliando a complexidade do comportamento pela topografia em vez de pela função, como seria mais adequado do ponto de vista comportamental.
Não vejo como o “comportamento” de computadores domésticos possa ser mais complexo que o comportamento de um organismo humano sonhando, dormindo ou mesmo inconsciente. Esses comportamentos, apesar de topograficamente simples, são funcionalmente complexos visto estabelecerem intrigadas relações com o ambiente e com o histórico de condicionamento operante dos sujeitos. Isso sem falarmos no tipo de processador envolvido nesses comportamentos, que é muitíssimo mais complexo que CPUs de silício, o cérebro.
Correção
ExcluirIntrincadas relações*
Modus tollens*
ExcluirEste comentário foi removido pelo autor.
ExcluirPrezado Marcus,
ExcluirGostei da noção de "caridade interpretativa".
Sobre as coisas que lhe intrigaram, "dormir-e-sonhar" e a síndrome do encarceramento só são padrões comportamentais simples QUANDO COMPARADOS aos comportamentos "jogar futebol", "relacionar-se virtualmente" e "cozinhar". Mas, no final das contas, minha intenção com esses exemplos foi simplesmente a de problematizar a relação complexidade-consciência. Por exemplo, o comportamento de um indivíduo em coma - que respira, metaboliza, possui alguma atividade neural etc., mas não está consciente - é complexo? Se for, pode haver complexidade sem consciência. E o que dizer de um indivíduo com síndrome do encarceramento? Ele é consciente, mas seu comportamento parece mais próximo ao de um indivíduo em coma do que o de um indivíduo normal, e este último possui um repertório comportamental muito mais complexo do que o dos demais. Afinal, como estabelecer a relação complexidadade-consciência?
No final das contas, o que mais me interessa nesse ponto da discussão é conseguirmos especificar quais critérios utilizamos rotineiramente para verbalizar "X é (ou deve ser) consciente".
Ainda não vejo o porquê de jogar futebol e cozinhar serem comportamentos mais complexos do que sonhar e estar acometido por síndrome do encarceramento. Topograficamente esses comportamentos parecem simples, mas funcionalmente estão ligados a complexas teias de contingências ambientais e ontogenéticas. Inclusive, explicar os sonhos e a síndrome do encarceramento é certamente tarefa mais complicada do que explicar o jogar bola e o cozinhar, não acha?
ExcluirSobre o critério para atribuição de consciência, um dos que considero razoáveis é esse que venho dizendo...O da dificuldade de se evitar a postura intencional quando descrevemos comportamentos uns dos outros e de outros seres.
* o princípio de caridade interpretativa existe realmente na filosofia.
Caros Nivaldo e Gustavo...
ResponderExcluirNão vejo como propriedades qualitativas possam sobrevir a propriedades quantitativas (ou quantificáveis ou funcionais, etc.). Nesse caso, ou se nega explicitamente a existência de “qualidades” ou se assume frontalmente que temos um problema.
E por que razão é um problema de dimensões ontológicas? Porque a condição de existência de um estado qualitativo, digamos uma dor, reduz-se a ser experimentado por alguém. Não faz sentido pensar em dores que existam sem ser experimentadas subjetivamente. Também não faz sentido pensar que outra pessoa possa experimentar a sua dor em seu lugar ou junto com você.
Isso significa que a experiência em primeira pessoa é insuscetível de ser objetivamente investigada? Não... Não porque para se investigar objetivamente (em terceira pessoa) um fenômeno, a análise de suas propriedades relacionais (ou funcionais, causais, etc.) é o bastante. Os físicos não estudam partículas pela consideração das propriedades intrínsecas dessas entidades. O que investigam são suas propriedades relacionais.
Isto implica que propriedades intrínsecas são epifenomênicas? Não, significa apenas que o único meio de analisar um fenômeno em terceira pessoa, é considerar suas capacidades causais a partir de suas propriedades relacionais. No que se refere à consciência, temos o luxo de compreender (intuitivamente) suas capacidades causais a partir de suas propriedades intrínsecas, já que temos “acesso” direto a essas propriedades. Mas para a estudarmos em terceira pessoa, o que temos que ter em conta são suas propriedades relacionais, especificamente suas causas e seus efeitos. Por isso, parece perfeitamente possível estudar em terceira pessoa um fenômeno de primeira pessoa, sem no entanto reduzir ou eliminar esse último. Searle que o diga...
Marcus,
ExcluirMesmo eu não gostando muito da divisão entre trabalho filosófico do trabalho científico, em filosofia, pelo menos muitos filósofos concordam comigo, que é necessário se argumentar (ou descrever, explicar) os critérios que nos levam a determinada conclusão. Neste caminho, não consegui entender bem quando concluis: "Porque a condição de existência de um estado qualitativo, digamos uma dor, reduz-se a ser experimentado por alguém. Não faz sentido pensar em dores que existam sem ser experimentadas subjetivamente. Também não faz sentido pensar que outra pessoa possa experimentar a sua dor em seu lugar ou junto com você."
Veja, eu posso dizer que: "o unicórnio pintado naquele placa é azul" - azul é uma qualidade do tal unicórnio da placa, e, neste caso, é um estado qualitativo que existe fora de mim. Eu apenas o percebo e descrevo. Posso dizer também: "este unicórnio azul é maior do que o unicórnio amarelo da outra placa", veja, neste caso estou apontando para mais uma característica de qualidade externa a mim. Logo, como sei que gostas de lógica, não creio que seja assim tão evidente que "Não faz sentido pensar em dores que existam sem ser experimentadas subjetivamente. Também não faz sentido pensar que outra pessoa possa experimentar a sua dor em seu lugar ou junto com você." Veja, até no caso da dor, creio que ainda estamos longe de poder concluir cabalmente que não faça sentido se comparar dor ou que outro ente venha a poder estar em tais e tais condições de modo a Ter/Experienciar/partilhar dor. Isso não é conclusão. É uma suposição sua (que, de fato, é muito interessante...OK!)
Particularmente, termos como relacional, dor e, até mesmo a consciência, talvez sejam apenas recursos (ou partes modelísticas (mais ou menos matematizáveis)) que nos auxiliam como recurso para o tratamento de diversas questões. E como a psicologia entrou em pauta em nosso debate, creio que quando um psicólogo diz: "Você está depressivo", creio que num nível mais sofisticado de análise, ele não esteja dizendo que a depressão exista ontologicamente. Creio sim que ele utilize do termo depressão para poder se comunicar acerca de uma enormidade de estados/elementos que são partícipes do atual quadro do paciente, ok! Note, neste caso, eu continuo não tendo um qualia (ontologicamente falando), tenho apenas um qualia (se quisermos manter o termo) mais brando, um qualia no sentido de um termo altamente útil na comunicação e/ou no tratamento (aqui de saúde) de determinado paciente.
Quando ao Searle, certamente ele comete uma falácia famosa conhecida como "das portes para o todo", até mesmo no seu notável Argumento do Quarto Chinês. Ele criou um tipo de pluralismo epistêmico que implica em algum outro tipo de ontologia além do monismo (materialista, fisicalista.... aqui para a gradar o Marlon, com suas aproximações e diferenciações, todaovia, mantendo algum tipo de substractum de corporeidade ao ente!) e do dualismo substancial (aos moldes cartesianos, ok! (lembrando que não me agrade esse enquadramento que alguns tentar dar ao Searle como um dualista de propriedades. Já disse isso em outros artigos, dualistas de propriedades são dualistas substanciais mascarados ou monistas covardes!)). O problema é que essa outra ontologia que a obra de Searle parece apontar, eu ainda não descobri qual é (só se é algum tipo de ontologia divina, o que seria no caso do Searle, uma conclusão absolutamente bizarra!).
Nivaldo, o que está no objeto que diz não é a qualidade sensorial ‘azul’, mas uma determinada estrutura molecular que em contraste com a luz reflete em sua retina um determinado comprimento de onda. Mesmo que assumamos uma concepção reducionista da relação mente-cérebro, diremos que a qualidade sensorial corresponde a algum estado físico no cérebro e não a algum estado físico nos objetos que nos fazem ter essas experiências/estados cerebrais quando nos expomos a eles.
Excluir“Eu apenas o percebo e descrevo.”
E o que é o perceber? Quando percebe algo azul, não lhe aparece um espectro azulado? Quando encosta o dedo numa panela quente não lhe ocorre nenhum estado aversivo que te faz recuar a mão? Tá certo que você falou em percepção, e tem quem analise essa função psicológica mais em termos cognitivos do que qualitativos, mas será que faz sentido falar em percepção sem qualidade, isto é, sem sensação?
Aliás, incomoda-me uma coisa. Tenho a impressão de que defende que a mente é apenas um processo linguístico. Mas isso não encontra nenhum eco na ciência. Aliás, na natureza há uma variedade de organismos que têm experiências sensoriais e nenhuma linguagem.
Você recusa minha conclusão de que não faz sentido pensar em dores não experimentadas subjetivamente. Mas acaso faz sentido pensarmos em dores pairando por ai, apartadas de agentes que as sintam? Digamos que não exista nenhum ser vivo no universo. Poderia haver dores? De que modo uma dor pode existir sem que seja enquanto sensação de algum ser?
Também afirma que é precoce dizer que não faz sentido quebrarmos a barreira da experiência em primeira pessoa. Mas então diga, é ao menos concebível uma situação em que o ponto de vista em primeira pessoa transforme-se num ponto de vista em terceira pessoa, mas ao mesmo tempo permaneça o mesmo ponto de vista que era antes de ser “terceirizado” ou que, inversamente, o ponto de vista de terceira pessoa continue sendo o mesmo após se transformar em perspectiva de primeira pessoa? Veja, se ninguém conseguir imaginar pelo menos uma situação que torne minimamente inteligível dizer que outra pessoa possa ser como você e ao mesmo tempo continuar sendo outra pessoa ou, por outras palavras, que possa ter exatamente o seu ponto de vista sem estar no seu ponto de vista, então é porque não faz mesmo sentido a ideia de transformar uma experiência de primeira pessoa numa de terceira. (Essa é também uma questão ao Gustavo).
Marcos,
ResponderExcluir1. Você deve ser psicólogo. But keep calm, eu não estou te acusando de nada!
É que o seu acento na primeira pessoa condiz muito com um tipo desesperado de psicologia que se pratica muito por aqui, e que se ancora fortemente na crença de "um eu" (e de subjetividade, e de sujeito e de experiência, e mais alguma meia dúzia de derivados). É um projeto que não deu certo e hoje pende mais para uma espécie de "assistência social individualizada" do que para algum tipo de ciência (aliás, para o tipo de questão que está envolvida nesse teu debate, podes encontrar uma resposta muito interessante no texto do Gustavo, chamado “Meta e Método”).
2. Pois bem, com todas as restrições a essa comparação, essa insistência na primeira pessoa e a sua análise a partir da terceira era o centro do empreendimento de Sigmund Freud, lembra? E quando eu digo "restrições a essa comparação" eu não estou falando do método, mas das propriedades envolvidas: ele não dispunha dos mesmos dados (informações) sobre o cérebro e outras cositas más que arranjamos nesse último século, incluindo o bom da filosofia da linguagem e a própria filosofia da mente. O que no fim das contas, pouco importa, pois imagino que Platão, Sócrates e Teodoro, muito antes de tudo isso, não tinham "consciência" de que poderiam ter "consciência". Sequer tinham cérebro, eu suponho. Isso não era uma variável a ser considerada. Aliás, não existiam as variáveis naquele tempo.
3. Repare que eu não estou falando em história, contexto, e coisas do gênero - como me criticaram noutro dia. Não estou afim do papo de que “cada tempo tem seus problemas”, mas também não posso aceitar que haja alguma entidade qualquer, subjacente aos métodos de conhecimento já disponíveis, à espera de ser descoberto. Por isso, eu insisti ontem na questão dos modelos. Eu não os compreendo como algo que é posto em discussão, que é testado e refinado e que depois de afirmada a sua coerência pode servir para analisar alguma realidade. Modelos da realidade são modelos, e não a realidade. Para mim, a tal da terceira pessoa não passa de uma estratégia e a primeira, de uma hipótese. O que, analiticamente, pode dar muito certo, mas como insiste o Gustavo Leal-Toledo, ainda podemos estar completamente errados - e eu sou muito otimista nesse ponto: certamente, estaremos.
Vinícius Zamboneti
ResponderExcluirDe fato, o problema da consciência parece ser mais complexo que o dos números primos. É um solo para ser arado por muitas mãos, muitas especialidades.
Sobre os insights de Steven Mithen, notei uma semelhança bem interessante com a compreensão que Daniel Dennett tem sobre a consciência. Para ele, a consciência seria o nome que damos para a atividade de vários sistemas mentais dialogando entre si. Portanto, extingue-se a noção de consciência como uma coisa, uma propriedade especial etc.
Deixe só dividir com vc, algo que meus amigos físicos já compartilharam comigo. Bom, quanto ao que muitos na área de Humanas falam, sobre o pensamento interferir na posição do elétron, parece que os físicos, em sua maioria não concordam. É consensual (dentro do que poemos chamar de consenso cientificamente) que é a medição que causa essas confusões métricas, digamos. Os físicos parecem aceitar tão pouco essa ideia que sequer se preocupam em refutá-la com frequência em seus livros e artigos. Assim, não sei se esta seria uma evidência relevante a favor da existência da consciência. O que acha?
Marcus Vinicius de Matos Escobar
Aproveitando a sua fala sobre os qualia, aproveito para fazer o seguinte questionamento:
- Os qualia são um fato incontestável da experiência. Fenomenologicamente, eles existem, afinal, alguém tem essas experiências subjetivas. Desse modo, afirmar a existência ontológica dos qualia seria o mesmo que dizer que eles existem independentemente do ponto de vista em primeira pessoa? Ou é perfeitamente possível afirmar sua existência ontológica mesmo que somente em nível subjetivo? Essa questão aparece com força quando pensamos em alucinações. Elas são reais, enquanto experiência do sujeito, mas não em terceira pessoa. Portanto, elas teriam status ontológico?
Além disso, endosso o comentário do Prof. Gustavo Leal: "Pois bem, que sinto frio, como disse o Marcus, me parece também inegável. Mas que este frio é uma experiência particular de um tipo especial e, mais ainda, que merece por isso toda uma nova ontologia, esse, para mim, é o problema."
Felipe...
ExcluirQuando se diz que algo tem uma ontologia própria, em geral se está dizendo que existe objetivamente, isto é, independente de mentes. Mas no caso dos qualia parece que isso não se aplica. Falar sobre uma ontologia dos qualia não é dizer que eles existem independentemente do ponto de vista de primeira pessoa, pois eles são precisamente o ponto de vista de primeira pessoa. Por isso se diz que os qualia têm uma ontologia subjetiva, isto é, existem na condição de serem experiências de alguém. Uma dor, por exemplo, só existe enquanto alguém a experimenta. Não pode haver dores independentes de agentes que as sintam.
Nivaldo,
ResponderExcluirSeu comentário falando que não há problema algum em ser reducionista, me lembrou umas entrevistas que lia, do antropólogo Viveiros de Castro. Ele estuda tribos ameríndias, tendo desenvolvido um sistema teórico para explicar a concepção dessas sociedades, o Perspectivismo. Dentro desse modelo, ele explica da seguinte maneira uma das diferenças do nosso modo de explicar o mundo e o da maioria das tribos americanas: para nós, uma boa teoria é aquela que explica determinada coisa em termos cada vez mais simples, isto é, de maneira cada vez mais parcimoniosa. Isso implica, quase sempre (ou sempre, na medida do possível), no distanciamento progressivo das explicações intencionais. Desse modo, por exemplo, não explicamos os raios de uma tempestade através de construtos humanos, intencionais, como vontades e emoções. Usamos explicações físicas, baseadas numa linha clara e bem concatenada de causas e efeitos.
Para os índios, entretanto, o movimento é contrário. Claro, eles não começam de explicações rebuscadamente físicas, mas seja lá como eles começam, suas teorias seguem, progressivamente, para a intencionalidade e para os atributos humanos. Eles servem para explicar o mundo como um todo, não só animais não-humanos, não só seres vivos, mas também montanhas, águas, vento etc.
A academia, em Humanas, muitas vezes, parece uma academia formada, sobretudo, por ameríndios. O motivo é claro: o ódio pelo fisicalismo, a evitação máxima do reducionismo (não que os ameríndios odeiam essa postura, mas, como descrevi, eles simplesmente não optam por ela). São excluídos sem mais nem menos, sem nenhuma justificativa válida. Aliás, a única explicação dada é: o reducionismo é ruim.
Felipe,
ExcluirPrimeiramente, eu concordo mesmo com tua crítica ao findar desta sua postagem. Em segundo, mesmo eu não sendo um estudioso do Viveiros de Castro (o pouco que sei dele foi através do meu amigo Jean Segata que também está discutindo aqui conosco e que é um expert nesta área), não concordaria muito com o que ele apresenta (aqui exposto em seu primeiro parágrafo), entretanto, tenho mesmo muito medo quando o método utilizado para se fazer ciência, filosofia, psicologia, antropologia, ou, na realidade qualquer coisa fora de uma mesa de bar, deixe de lado os critério que apresentei justamente em resposta a primeira postagem do Jean Segata. Ou seja, eu não creio que seja possível se fazer qualquer coisa seria sem que estejamos todos jogando com as cartas abertas na mesa e que tenhamos na Virtude Intelectual um dos alicerces fundamentais de nosso fazer/método. Caso tais postulado sejam deixados de lado, com certeza um dos objetivos mais poéticos da filosofia (e creio ser aplicável a todas as demais áreas do conhecimento) que é o amor pela sabedoria, certamente também irá embora do empreendimento intelectual que se esteja sendo feito.
Quanto a questão do reducionismo, sinceramente chego a ficar irritado de como tantos ditos estudiosos tratam de modo até preconceituoso (no sentido moral) esta perspectiva. E isso, sinceramente, de nada interessa!
Particularmente, acho que o conhecimento confiável deve ser demonstrável, público. Por isso o senso comum não seria a forma mais refinada de conhecimento, seja ele vindo de nossa cultura ou de outra. Digo isso em termos de uma descrição parcimoniosa dos fenômenos, porque em termos de praticidade, no nível cotidiano, as teorias do cotidiano funcionam muito bem.
ExcluirCompartilho de seu desagrado! Essa crítica moral, sem embasamento teórico, somente ideológico, é complicada.
Felipe,
ResponderExcluirLegal você tocar no trabalho do EVC (Eduardo Viveiros de Castro). Ele tem uma obra fantástica, que particularmente admiro. Ainda que muitas das suas discussões caminhem por labirintos misteriosos, como é o caso de sua referência forte àquela entidade conhecida como Deleuze & Guatarri.
Imagino que as entrevista que dizes ter lido, sejam aquelas editadas na Série Encontros, pelo Renato Sztutman (publicado pela Azougue). São ótimas mesmo, e sintetizam muito da obra dele. Mas tem alguma coisa aí no seu comentário, que me preocupa. Não é pedantismo não, mas se levar à rigor, muda muito o sentido da coisa. Vejamos:
1. “Ele estuda tribos ameríndias, tendo desenvolvido um sistema teórico para explicar a concepção dessas sociedades, o Perspectivismo”. EVC não desenvolve um sistema teórico. Ele enfatiza, e muito, o fato de que ao seu modo, é claro, os índios também têm filosofia (ou seja, eles se questionam sobre o mundo, sobre o que são, etc.). O seu esforço intelectual é justamente o de fazer aparecer essa filosofia deles. Tradicionalmente, o esquema era (e ainda é) “eles acreditam, eu sei”. Ou dito de uma maneira mais acadêmica - o que os outros (a aletridade, nesse caso, os índios) pensam que sabem, é um dado, que eu (antropólogo, acadêmico, seja lá o que for) posso analisar e explicar, com minhas teorias. EVC dá um novo privilégio aos outros, “elevando” o estatuto do que ou outros pensam ao posto de uma teoria e não mais um mero dado (nesse caso, etnográfico). Esse é o grande mérito dele. Já o perspectivismo do qual ele fala, é mérito dos índios, em particular os Araweté e mais alguns grupos das Terras Baixas do Amazonas. Trata-se de uma “teoria nativa”. Isso nos livra, entre outros males, de confie o perspectivismo ameríndio com aquele Nietzche, por exemplo. EVC, assim, tentar extrair alguma consequência entre o confronto de dois modos muito distintos de pensamento (não do “conteúdo” apenas do pensamento, mas da própria forma do que é o pensamento em si). Vale muito à pena ler o seu “Métaphysiques Cannibales” (Paris: PUF, 2009). Ali, fica clara a ideia de “ontologias” já que o antropólogo e o índio não apenas pensam diferente. Ele vivem em mundos diferentes. (o artigo da revista MANA é ótimo também (http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0104-93132002000100005&script=sci_arttext), como o seu livro, publicado pela Cosac & Naify - “A Inconstância da Alma Selvagem”.
CONTINUA.
Felipe, parte II.
ResponderExcluirVamos para o ponto 2.
“Desse modo, por exemplo, não explicamos os raios de uma tempestade através de construtos humanos, intencionais, como vontades e emoções. Usamos explicações físicas, baseadas numa linha clara e bem concatenada de causas e efeitos”. Sim. São “agendas diferentes”, por certo. Agora, por favor, não me diga que a “nossa”, das explicações físicas, seja “mais verdadeira” do que a “deles”, das vontades e emoções. Digo isso, porque o que EVC quer justamente afrouxar, é a certeza que temos de que o mundo funciona tal qual o nosso modelo de entendimento. O modelo pode até funcionar bem, agora o mundo - quem pode saber? As explicações físicas são uma escolha nossa, problema nosso. As vontades, o deles. Felipe, você rechaçou no comentário anterior os críticos do reducionismo, dizendo que os físicos pouco ligam sobre se o pensamento interfere ou não na posição do elétron. Pois bem, os índios do EVC não estão nem aí, para o elétron, para os físicos e para o que gente como nós cogitamos sobre eles num blog de filosofia. Isso é um puta exercício de política (que às vezes, é mais complicado do que lógica e epistemologia).
3. Isso, dito até aqui, ajuda a esclarecer outro equívoco: “Para os índios, entretanto, o movimento é contrário”. Não é contrário, é outro movimento. Não preciso detalhar, certo? Mas há algo mais grave aqui, e que por certo, os maiores praticantes desse erro sejam os próprios antropólogos: transformar dados “empíricos” (seja lá o que for isso) em categorias analíticas. Não dá para pegar o perspectivismo ameríndio, e o modo como os Araweté descrevem suas longas conversas com macacos ou porcos do mato, negociando a humanidade (que é a perspectiva em si, o próprio ponto de vista) para dar algum tratamento ao tipo de caso que eu estudei no meu doutorado - a saber, cães com diagnóstico de depressão, que tomam fluoxetina, no contexto de clínicas veterinárias e per shops. Dizer que os donos desses animais, por exemplo, são perspectivastes, é um equívoco, quiçá uma piada de mal gosto. Mas tem quem o faça. É nisso que EVC insisti no que ele chama de “imanência do conceito”. Não desenraíze ele do modelo ontológico onde ele é produzido, esperando que ele funcione em outro lugar. É como fazer antropologia indígena, usando mecânica quântica ou filosofia da mente, com Heiddegger. Acho que não funciona. Então, entre outras coisa, não dá para explicar as ciências humanas (que não são uma entidade coerente, nem são uma entidade) e as suas possíveis birras com o reducionismo, dizendo que eles são ameríndios.
Jean, valeu aí pelos toques! Eu não sou mesmo expert em Antropologia, e menos ainda na carreira do EVC. Vou fazer alguns comentários sobre o que vc disse.
ResponderExcluir1- "o que os outros (a aletridade, nesse caso, os índios) pensam que sabem, é um dado, que eu (antropólogo, acadêmico, seja lá o que for) posso analisar e explicar, com minhas teorias."
Então, foi exatamente isso que eu quis dizer ao dizer que o Perspectivismo é um sistema teórico criado por ele. Sim, ele tentou descrever a 'filosofia' dos índios, mas acontece que, em algumas entrevistas, ele mesmo destaca a impossibilidade de sair totalmente da visão de mundo que ele tem e embarcar e compreender totalmente a dos indígenas. Portanto, por mais que ele tenha uma atitude descritiva, o viés dele estará sempre atuando.
2- "Agora, por favor, não me diga que a “nossa”, das explicações físicas, seja “mais verdadeira” do que a “deles”, das vontades e emoções."
Não reli o que escrevi, então, se em algum trecho eu disse isso, não foi minha intenção. Devo ter me expressado mal.
3- 'Isso, dito até aqui, ajuda a esclarecer outro equívoco: “Para os índios, entretanto, o movimento é contrário”. Não é contrário, é outro movimento. Não preciso detalhar, certo? '
Sim, não precisa. Minhas palavras não foram exatas, mas o sentido que eu quis dar foi o mesmo que o seu.
"Então, entre outras coisa, não dá para explicar as ciências humanas (que não são uma entidade coerente, nem são uma entidade) e as suas possíveis birras com o reducionismo, dizendo que eles são ameríndios."
Eu não quis dizer literalmente que eles são tal como os ameríndios, tampouco quis estabelecer uma espécie de juízo de valor. Só fiz uma analogia que talvez tenha sido infeliz, afinal, enquanto um conhece mas rejeita o reducionismo, o outro não o conhece e provavelmente também discordaria de algo do tipo.
Relaxa Felipe,
ResponderExcluirNinguém aqui é expert. Você muito feliz e isso não é uma avaliação, é uma constatação. O EVC, como você afirma, leva ao limite um problema fundamental - como conhcer, no caso, como conhecer o modo como o outro conhece...
Ah. O "ninguém é expert" não se refere a todos. É coisa minha, sobre mim!
ExcluirJean Segata
ResponderExcluirSim, sou psicólogo. E presumo que tenha colhido essa informação no grupo do facebook onde a divulguei abertamente. Ou é isso ou então acertou por pura sorte visto que minha argumentação aqui não tem a ver com psicologia. Estou tratando de filosofia da mente e argumentando contra o eliminacionismo. Se isso me torna psicólogo, e pior, um “psicólogo desesperado”, a maior parte dos filósofos da mente devia receber essa mesmíssima classificação, pois o que mais há na filosofia da mente são defensores da legitimidade do problema da consciência e que partem do mesmo gênero de argumentação que eu trouxe (mesmo Churchland oscila quando o assunto é qualia). Outra associação errada é isso de “crença num eu”. A experiência consciente em nada implica um eu. Até amebas podem ter experiências desse tipo. Se só existissem amebas, o problema da consciência permaneceria legítimo. O que se está discutindo aqui é um problema de ordem fenomenológica, a subjetividade nesses termos não implica um eu.
Aliás, você está atacando um espantalho, já que passou a discutir essa tal psicologia desesperada como se estivesse discutindo os argumentos que coloquei, que na verdade não foram contemplados. Ademais, isso que diz soa a ad hominem, pois ao me associar arbitrariamente a tendências abjetas que de forma alguma se respaldam em minha argumentação, a impressão que fica é que está tentando transferir essa imagem do ‘psicólogo-assistente-social-desesperado’ a mim, esperando que isso respingue nos argumentos que articulei. Só que não se critica uma posição em filosofia atribuindo rótulos pejorativos a seus defensores. Isso se faz em política, em filosofia se argumenta.
Imagine que eu, por associações despropositadas, o comparasse a um desses antropólogos pós-modernachos, esperando em meu íntimo que isso afugente seus argumentos. Imaginou? Então peço encarecidamente que se tiver alguma objeção (objeção de verdade) então que a diga, porque essa linha de “argumentação” não nos vai levar a lugar algum que valha à pena e pode comprometer a qualidade desse delicioso debate. Invoco uma das regras do jogo:
“em casos especiais em que houver fuga do tema ou comentários entendidos como não pertinentes/relevantes ao assunto, estes, por sua vez, serão eliminados da publicação”
Enfim, uu não sou o tema desse debate, tampouco minha profissão. Numa discussão filosófica e racional, discute-se argumentos, não os argumentadores.
Sobre aquela estirpe de psicologia que mencionou, também a repudio e venho combatendo esse engodo há anos. Sou adepto da psicologia científica, a psicologia utente do método empírico e que busca explicações naturais ao comportamento humano. Se me valho de um método analítico para atacar o problema dos qualia, é porque não dispomos de um método empírico que o esgote. E se deseja refutar o que digo a respeito dos qualia, terá também de lançar mão de um método analítico, a não ser que disponha de um método empírico para decidir essa questão. Sabemos que não tem...
ResponderExcluir“Pois bem, com todas as restrições a essa comparação, essa insistência na primeira pessoa e a sua análise a partir da terceira era o centro do empreendimento de Sigmund Freud, lembra?”
Lembro sim. O que me choca é você não se lembrar que é esse o método de qualquer ciência que estuda a consciência, incluindo a neurociência. Parte-se da evidência, do observável (comportamento, atividade nervosa, etc), para a inferência ou formulação de hipóteses sobre como se organizam os processos perceptivos e sensoriais e sua relação com o comportamento. A eliminação ou redução da consciência não são um compromisso da ciência, são parte de um programa filosófico.
“mas também não posso aceitar que haja alguma entidade qualquer, subjacente aos métodos de conhecimento já disponíveis, à espera de ser descoberto.”
Mas quem disse que a experiência consciente é uma entidade esperando para ser descoberta? O problema filosófico da consciência não é saber se ela existe, sabemos que existe. O problema é especificar a sua ontologia. Que pode muito bem ser idêntica ao cérebro, não estou descartando essa possibilidade, mas o problema é ontológico mesmo assim.
“Modelos da realidade são modelos, e não a realidade.”
Ora isso é óbvio! O que está por justificar é a sua tese de que não há realidade, mas só modelos. Isso é idealismo, e no limite, solipsismo.
“ele não dispunha dos mesmos dados (informações) sobre o cérebro e outras cositas más que arranjamos nesse último século” incluindo o bom da filosofia da linguagem e a própria filosofia da mente.”
Isso que diz é tendencioso. Dá a entender que quem rejeita o antirrealismo o faz por ignorar a ciência e o “bom da filosofia da mente e da linguagem”. Mas quem disse que o antirrealismo é baseado na ciência? Ele é tão metafísico quanto o realismo. Além do mais, quem disse que o que há de bom em filosofia da mente e da linguagem resume-se àquilo que não leva ao realismo? Com todo o respeito, você não parece alguém que conhece filosofia da mente a fundo, embora esteja discutindo precisamente isso.
Marcus,
ExcluirQuando citas "“Modelos da realidade são modelos, e não a realidade.”
Ora isso é óbvio! O que está por justificar é a sua tese de que não há realidade, mas só modelos. Isso é idealismo, e no limite, solipsismo."
Sempre me intriguei com um problema que pode estar nascendo aqui. Falo isso pois já tive discussões em nível de Filosofia da Matemática que perpassavam algo bem próximo, OK! Note, não sei se seria tão óbvio que "modelos da realidade são modelos, e não a realidade"; veja, Se eu deslocar o modelo para o foco da análise, talvez tenhamos um outro grande problema. Vou tentar ser mais claro tentando comparar com questões de padrões matemáticos. De modo geral podemos dizer que a matemática é ou tem por objetivo estabelecer modelos/padrões que nos auxiliem no tratamento dos mais variados problemas. Entretanto, quando a própria matemática vira o alvo da investigação eu teria que apresentar o objeto que estaria pesquisador, a saber, esses tais modelos/padrões. Neste continuum, eu teria que responder mais uma vez a fundamental questão: Ora, neste caso, a matemática (seus padrões/modelos) possuem ontologia? Se sim, qual?
Creio que se trocarmos o exemplo da matemática para estados de consciência, novamente, teríamos que responder a mesma questão! Por isso e por mais que eu não goste de qualquer perspectiva que aponte para a possibilidade do dualismo, entendo que ainda carecemos muito trabalhar esta questão, OK!
Mas Nivaldo, você está assumindo na conclusão algo que já é assumido nas premissas. A saber, que a experiência consciênte é apenas um modelo. Mas que argumentos há para defender que uma experiência de dor não existe e que é apenas um modelo? Acredito que essa é a forma mais severa de solipsismo que existe, pois coloca em dúvida até mesmo a experiência, além de dar origem a uma sequência infinita (modelos podem ser modelos de outros modelos e de outros e mais outros...). Note também o seguinte. Dizer que a consciência é real, e que portanto tem uma ontologia, não é dizer que ela não é física. Isso não nos compromete com o dualismo. Talvez a consciência não seja mais do que estados cerebrais e que portanto, tem uma ontologia de terceira pessoa. Ou seja, a identidade (ou reducionismo) é uma possível ontologia para a consciência. Eu próprio não descarto essa possibilidade. Mas faz já algum tempo que o reducionismo vai mal das pernas...
ExcluirMarcos,
ResponderExcluirFoi a terceira pessoa que escreveu. Não eu!
Eu também sou formado em Psicologia. Não ataquei o argumentador. Ataquei o argumento. Se atingiu o argumentador, é porque a estratégia da terceira pessoa é mesmo falha - implica na primeira, e voltamos à experiência ao invés da objetividade...
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirMarcus, a questão que não quer calar é qual é a ontologia desta sua consciência? Sem isso respondido não temos como continuar. Você segue Chalmers, contra Searle, por exemplo, ao dizer que máquinas seriam conscientes. Mas também segue Searle, contra Chalmers, ao atribuir poderes causais a mesma (baseada em simples "intuição"). Por último, segue Dennett ao colocar como critério um certo nível de complexidade (levantando a óbvia questão de "que nível é este?").
ResponderExcluirPois bem, vou fazer, então, a pergunta fundamental de Chalmers: poderia existir um mundo fisicamente idêntico ao nosso em todos seus mínimos detalhes, mas que não tivesse qualia? Posto de outro modo, se Deus copiasse nosso mundo apenas em suas propriedades físicas e nada mais, copiaria também as propriedades fenomenológicas? Ou ainda, se eu retirar deste mundo suas propriedades fenomenológicas eu retiro algo de físico? A pergunta do "mundo Zumbi" de Chalmers tem o benefício de colocar de modo muito claro que temos duas respostas aqui. Ou as qualia são físicas ou não são. Ou são causalmente relevantes ou não são.
Gustavo,
ExcluirConcordo completamente com você neste aspecto. Creio que para não nos perdermos nos labirintos perigosos da linguagem (retórica geral, o sempre eficaz ceticismo ou armadilhas lógicas utilizadas com intuito também retórico(ou até sem intuito, mas de modo a gerar o mesmo efeito)) precisamos responder este questão que apresentas em primeira mão:
"Ou as qualia são físicas ou não são. Ou são causalmente relevantes ou não são."
Uma vez respondida esta questão, creio que outra é muito pertinente de ser respondida:
"Se os qualias possuem ontologia, qual é: a) monista; b) dualista; c) espiritual; d) pluralista (todavia, opando-se pela letra "d", é necessário descrevê-la).
A partir disso, podemos dar continuidade ao trabalho...
Esta é mesmo uma pergunta muito intrigante, Gustavo: "Poderia existir um mundo fisicamente idêntico ao nosso em todos seus mínimos detalhes, mas que não tivesse qualia?". Mas é também uma pergunta esquisita.
ExcluirTal mundo é IMAGINÁVEL? Se eu puder imaginar como seria esse mundo - e.g., que ele possui pedras, planetas em órbita, folhas duras etc. -, já não parece fazer muito sentido a pergunta. Afinal, o que seria o mel sem seu sabor, cheiro, consistência e cor? Não seria o que conhecemos como mel! Eu acho estranho querermos separar os qualia do mundo; só podemos IMAGINAR um mundo, qualquer que seja, POR MEIO dos qualia. Um mundo idêntico ao nosso é necessariamente um mundo colorido, com odor, textura e ruídos. Sem suas "propriedades fenomênicas", não resta mundo a ser imaginado.
Olha Marcos,
ResponderExcluirSeja você deseja um ataque pessoal. Fique à vontade.
Se tens alguma dúvida quanto ao que sei ou não de filosofia da mente, eu te esclareço: não sei absolutamente nada. Nada mesmo. E isso não é retórica. Eu trabalho com outras coisas. Sou um grande amigo do Nivaldo, admirador do trabalho dele, desde muito tempo. Aprendi com ele a gostar desse tipo de leitura - e faço isso como descanso. Trabalho com outras coisas, mas leio filosofia para descansar. Infelizmente, não é meu mundo - e eu queria que fosse. Até me inscrevi no doutorado em filosofia, pra ver se aprendo algo, com alguém me orientando. Não faço ideia do que seja a metade das coisas que me escrevestes. É sério. Mas uma única coisa eu não quero ter, e que parece que tens bastante, é essa certeza do que dizes.
Afinal, quem disse que eu nego que algum antirrealismo seja metafísico, tanto o quanto o realismo? Metafísica, uma por outra, eu escolhi essa. Tomei uma posição - coloquei as cartas na mesa, e vou até onde dá, mesmo que eu não domine o tema e escorregue em algumas coisas.
Se eu não estiver enganado, não precisaria ser fisicalista para entrar no tópico, certo? E porque diabos eu não posso ignorar a ciência para discutir filosofia da mente - ou tu vais me dizer que acreditas que questões empíricas de neurocientistas, sobre o cérebro, podem responder as questões teóricas da filosofia da mente? Por favor, menos. Parece militância - ou aí mesmo é que eu não entendi nada da coisa.
De toda a forma, se achas conveniente que eu não interrompa o seu debate filosófico racional, com meus erros e desconhecimentos, eu fico como espectador, sem problema algum nisso. Eu ficarei na torcida, lendo postagem por postagem, para ver se o teu conhecimento a fundo da filosofia da mente levará o tópico a algum lugar, isso já me satisfaz.
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirMarcus, lendo a sua resposta ao Jean Segata me surpreendi com uma afirmação sua: "A experiência consciente em nada implica um eu". Embora CONCORDE com isso, cabe lembrar que para muitos (não só filósofos, mas no conhecimento padrão cotidiano) a "intuição" de um eu derivado de nossa experiência mais íntima é simplesmente tão óbvia quanto o fato de que sentimos frio, para ficar no exemplo já dado (diga-se de passagem, um Zumbi também afirma sentir o mesmo frio...). Até porque, dizem, quem sente frio é justamente um "eu". Mas se podemos recusar esta intuição tão forte e tão constitutiva de nosso senso comum, qual o motivo de não podermos também recusar nossa intuição sobre nossas qualia? Posto de outro modo, se podemos estar errado sobre nossos "eu" por que não podemos estar errado sobre nossas qualia (sobre a própria existência delas)?
ResponderExcluirEste comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirMarcos,
ResponderExcluirNotastes que eu critiquei, naquela maldita postagem, o fato que de "o programa" de conhecer primeira pessoa pela terceira não deu certo? Depois de tudo o que me escrevestes, apenas ajudastes a provar isso. O que eu queria dizer estava lá, dito, objetivo, escrito. Não carecia do seu esforço interpretativo para elucidar "o que eu realmente quis dizer com aquilo". Esse é o problema.
Se você deseja estudar um fenômeno de primeira pessoa em terceira pessoa, não podes fazer isso em primeira pessoa - e foi o que fizestes. O fracasso da interpretação que fizestes da minha postarem, tomando como um ataque particular, é o fracasso do que tens defendido.
(Não inventei isso não. Fui fazer trilha outro dia, para descansar, e levei um livro do Quine junto. Não entendi nada daquela tal "inescrutabilidade da referência", mas deve ajudar a entender que temos aqui um problema de tradução, mais do que de definição ontológica.
Se, para isso, achas que se resolve a coisa toda transformando qualia e dado físico, e se para os conhecê-los imaginas que a melhor alternativa fosse o desenvolvimento de um software, que não "interpretasse experiencialmente" aqueles dados, ainda assim, terias um software desenvolvido a partir de algum tipo de intencionalidade, que "quis ver " alguma coisa específica e que para tal feito, desenvolveu o programa.
Boa discussão para vocês.
PS. Gustavo, obrigado por sua postagem. Foi motivadora - era isso que eu precisava para não desistir de um dia querer aprender filosofia.
Marcos,
ResponderExcluirMais uma, e daí não te incomodo mais.
1. Eu imagino, por que eu não sei, que haja uma grande diferença entre tomar por certo de que "consciência é um fenômeno existente", como afirmas, do que tentar estabelecê-la como um problema - e aí sim, passível de se tentar algum tipo de solução, seja lá qual for. Isso está na dissertação do Nivaldo (Do Mistério ao Problema da Consciência), e em Searle, se eu não estiver errado, de novo;
2.Eu respeito a sua postura, mas você poderia me explicar o que é "Psicologia Científica". O que e como ela estuda? Na esteira disso, indiferentemente do que fores me responder, se quiseres responder algo a alguém que pode ser comparado a uma antropólogo pós-moderno (que eu nunca ouvi falar nessa gente, pois tive boa formação), eu continuo desconfiando dessa vontade que tens de responder os problemas da filosofia a partir da ciência. Desde quando a ciência resolve problemas filosóficos? Eu perdi essa parte da lição.
3. Debate racional não significa corrigir os outros, sistematicamente. Faz tempo que note suas intervenções no blog. Você não debate, você corrige - o que significa, que no debate racional que propusestes, a "tua razão" se sobrepõe a dos outros. Desculpa o trocadilho: isso é sintomático.
PS.
ResponderExcluirComo descobri que você é psicólogo, Marcos?
Sorte epistemológica. Não serve pra ganhar na loteria, mas segundo Pritchard, às vezes funciona.
Nivaldo,
ResponderExcluirNão sei se vale à pena dizer isso a essa altura, mas eu também não vejo problema nenhum em usar modelos. O que me irrita é que se confunde o modelo de estudo com aquilo que é estudado pelo modelo. Esse é um "fenômeno" muito comum.
Jean,
ExcluirNisso também concordo com você. Como disse em resposta a um dos seus dizeres anteriores, o que me preocupa é a possibilidade de um relativismo dos modelos (mais ou menos matemáticos) e de que tais modelos sejam eles em si a própria ontologia da questão. De fato, neste caso, não me sinto confortável, pois acho muito contra-intuitivo (mas sei que só isso não nos basta evidentemente!).
Quanto ao termo "fenômeno", acho que tenho algum trauma em alguma de minhas vidas passadas... não sei ainda em qual! Por isso, evito usá-lo assim como outros termos mágicos como: "relação", mediação"...
Todavia, tem uma questão que pode agravar ainda mais esta sua preocupação em relação a confusão que, por vezes, possa se estabelecer entre o "modelo de estudo" com "o que é estudado pelo modelo".
ExcluirVou tentar explicar melhor a questão que me parece ser, de fato, agravante neste contexto. Note, quando digo que um determinado modelo explica ou auxiliar explicar um determinado ente em questão, me parece, a primeira vista, que não teríamos maiores problemas em entender que o "o modelo que explica" é deferente "daquilo que é explicado", OK! Entretanto, tenho a autorização intelectual para poder tornar "o modelo explicativo" no alvo de meu inquérito. Neste caso, "o modelo explicativo" seria o ente a ser analisado, logo, eu teria que aceitar e/ou responder:
a) Que um modelo explicasse um outro modelo;
b) qual seria a ontologia deste modelo que está sendo explicado;
c) existem "poderes" no modelo explicante que interfiram no modelo explicado (se sim, como e quais...).
Alguém poderia muito diretamente perguntar: Mas que relevância tem tal problemática criada? E eu responderia: Creio que a lógica e a matemática são certamente instrumentos altamente eficazes para tratar de uma gama imensa de outros problemas. Segundo, que elas, a matemática e a lógica, teriam todas as condições de, pelo menos em diversas instâncias, serem entendidas como modelos explicativos (ou que auxiliam para isso), neste caso, me parece bastante claro que eu poderia aplicar a mesma reflexão anterior tornando a matemática e a lógica elementos/modelos a serem explicados, logo, aplica-se, neste caso, a necessidade de reflexão também acerca de "a", "b", e "c".
Mas eu poderia ser arguido novamente da seguinte maneira: Mas, que interferência isso tem em relação a saída da Consciência de sua questão misteriosa para algo, pelo menos passível de problematização? E eu responderia: Se a consciência for passível de ser entendida como um modelo, neste caso, aplicar-se-ia também de modo bastante não problemático: "a", "b", "c".
Caro Jean Segata
ResponderExcluirLonge de mim querer atrapalhar o teu descanso. Por mim podes descansar à vontade aqui no blog.
Mas uma coisa me intriga. O que o faz pensar que tenho essa certeza sobre o que digo? Não tenho certeza alguma, fique tranquilo que estamos no mesmo barco. Só estou argumentando em favor do que considero mais razoável. Também não sugeri que está me interrompendo, nem quero que pare de participar. Sinceramente, parece que tua articulação tem como objetivo causar a impressão nos outros, de que sou arrogante ou algo do tipo através de um discurso de vitimização. Ocorre que tudo o que tenho feito até o momento é defender uma posição que, apesar de não tê-la como certa, parece-me até o momento a mais razoável. E como teus comentários passaram ao largo do que venho defendendo, os tomei como desviantes. Por isso, se resolver se abster dessa preciosa discussão não me aponte como o responsável por isso, ok.
Pois bem, se tu afirmas não ter entendido quase nada do que digo então estamos empatados, pois não entendi praticamente nada do que disseste agora. Já não sei mais de que lado está, tinha a impressão de que defendia uma coisa, mas parece que agora está defendendo outra. De duas uma, ou sou péssimo para interpretar textos ou seu discurso carece de certa organização conceitual. No mais, note como meu diálogo com o Gustavo e com o Nivaldo está fluindo legal. Isso não parece sugestivo? É que Nivaldo e Gustavo são filósofos profissionais, e faz parte do método de discussão deles não se deixar afetar por paixões pessoais quando diante de uma divergência de ideias. Acredito que só temos a ganhar imitando eles. Forte abraço!
Gustavo...
ResponderExcluirNão vejo como um ‘eu’ seja tão óbvio quanto estar sentindo frio, dor, etc. A noção de um eu não tem a mesma gênese da “noção” de sensação. Parece inclusive depender de alguma sofisticação cognitiva. Além do mais, o sujeito da sensação não necessita ser um “quem”, pode muito bem ser um “o quê”. Mas tudo é resultado de como definimos os termos. Se para nós ‘eu’ é simplesmente um lócus para onde converge alguma experiência sensória, então tudo bem, o ‘eu’ passa a ser tão óbvio quanto uma sensação qualquer. Por outro lado, não me simpatizo com distinções radicais entre as categorias psicológicas, imagino que a distinção entre “sentir” e “ser um eu” não é de tipo, mas de grau. Não obstante, uma distinção de grau parece suficiente para uma distinção sobre o que é mais intuitivo. A propósito, você que é filósofo profissional certamente sabe que o conceito de intuição tem quase um sentido “técnico” em filosofia. É bom isso ficar claro para que nossos colegas não pensem que estamos divagando sobre noções místicas e pueris.
“Marcus, a questão que não quer calar é qual é a ontologia desta sua consciência?”
Se alguém soubesse não seria o problema da consciência. Acredito que a questão aqui é se temos ou não um problema da consciência. Eu defendo que sim, você que não. O Jean não sei bem o que defende. O que não podemos é pensar que por um problema estar em aberto, logo não tem solução, não pode ser avançado ou que é um pseudoproblema. Vai ver seja um pseudoproblema, só que isso ninguém mostrou. O que sabemos sobre da consciência é que existe na condição de ser experimentada, que é qualitativa e que temos severas dificuldades conceituais em traduzir esse aspecto em termos não qualitativos sem perda de significado. Isso é muito pouco, mas é mais que o suficiente para rejeitarmos o antirrealismo. Tendo isso em vista, acredito que temos aqui uma inversão, é o realista quem está, a meu ver, em condições de requerer provas. A pergunta é esta: “por que, apesar de se nos apresentar como um fato da experiência, precisamos pensar que a consciência simplesmente não existe?”.
“Você segue Chalmers, contra Searle, por exemplo, ao dizer que máquinas seriam conscientes.”
Searle não diz que máquinas não podem ser conscientes, o que diz é que a consciência não pode surgir de máquinas que implementem apenas operações sintáticas. Ele admite explicitamente que a inteligência artificial é possível... no tipo certo de máquina.
“Mas também segue Searle, contra Chalmers, ao atribuir poderes causais a mesma (baseada em simples "intuição").”
Partir do que é intuitivo na ausência de alternativas contraintuitivas é certamente a atitude mais razoável. Há inclusive certo consenso sobre isso na filosofia. Afinal, quem, diante de duas explicações, uma intuitiva e a outra não, escolheria a segunda só por ser contraintuitiva? A única justificação que temos para abrir mão de uma explicação simples e intuitiva é alguém nos oferecer outra explicação melhor. Isso tem ocorrido na história. A física relativista e a mecânica quântica parecem contraintuitivas, mas são explicações melhores, portanto estamos justificados em abrir mão das intuições que tínhamos (embora o que é contraintuitivo pode passar a ser intuitivo, caso nossa capacidade de intuir seja sensível ao contexto). Todavia, a consciência não conta com explicações contraintuitivas -- como o eliminacionismo ou o epifenomenalismo -- melhores que a explicação intuitiva, qual seja; a de que ela existe e que têm alguma capacidade causal sobre nosso comportamento.
“Por último, segue Dennett ao colocar como critério um certo nível de complexidade (levantando a óbvia questão de "que nível é este?").
ResponderExcluirNão poder estabelecer com precisão o que separa um nível de outro não significa que esses níveis não existam. Em casos limítrofes não podemos distinguir uma cor de outra (uma tonalidade entre o roxo e o vermelho, por exemplo). Isso não quer dizer que não possamos distinguir casos paradigmáticos de roxo e de vermelho. No que concerne à consciência, um caso paradigmático parece ser o ponto em que a explicação intencional do comportamento de um organismo passa a ser condição necessária a inteligibilidade desse comportamento. É difícil decidir em casos limítrofes se uma explicação intencional é forçosa, mas certamente em casos paradigmáticos (que envolve vacas, gatos humanos, e quem sabe até amebas) essa dificuldade já não ocorre, de forma que parece absurda a ideia de que possa haver organismos intencionais “paradigmáticos” destituídos de qualquer consciência.
Sobre as questões finais que você colocou, o que tenho a dizer é que o epifenomenalismo depende que o fisicalismo orquestrado por Kim esteja correto. E ainda que esteja, esse fisicalismo pode agregar a consciência, mesmo esta não sendo física, desde que ela não tenha eficiência causal. Mas a questão é que entre esse fisicalismo e entre a legitimidade causal da consciência, parece mais razoável ficarmos com a segunda opção. O fisicalismo, tal como se encontra formulado, não é tão digno de crédito a ponto de o preferirmos à consciência. É interessante levar em conta que o naturalismo, tendência que tem mais crédito que o fisicalismo hoje em dia, em nada implica a exclusão da consciência na economia causal e funcional de sistemas vivos (lembrando que fisicalismo e naturalismo são coisas distintas). Não que o naturalismo seja algo tão fundamental para resguardar a consciência, o que quero dizer é que o antirrealismo, tal como se encontra agora, não é suficiente para o preferirmos em detrimento do realismo ontológico e causal da consciência. Como havia dito, o contraintuitivo só deve prevalecer quando é realmente melhor do que o intuitivo.
Ainda sobre a questão do epifenomenalismo, o post que enderecei conjuntamente a você e ao Nivaldo contêm considerações a esse respeito. Talvez seja o caso de você reexaminar e apontar as possíveis falhas. No mais, suas objeções são muito pertinentes, discordo delas, mas são boas.
*Duas últimas observações: 1) assumir consistentemente algumas premissas de autores divergentes (como Dennett, Chalmers e Searle) é perfeitamente possível, como deve saber o caro Gustavo. 2) Desculpem pela quantidade de posts, mas é que estou tentando responder a uma enxurrada de objeções vindas de três inteligentes interlocutores. Por isso, se há mais realistas aqui me socorram por favor! Isso de três contra um é demais para mim...kkk. E ainda nem tive tempo de responder aos posts do Felipe!!
ResponderExcluirMarcus,
Excluireu tenho grande apresso pelo realismo (mesmo!)!!! Só não sei se vou ajudar muito. Mas, certamente, não conheço um caminho melhor do que discussões em que os debatedores, mesmo divergindo por vezes de modo caloroso, sempre tenham o objetivo maior de poder refinar e contribuir para a melhora dos problemas focados como alvo primeiro de nosso fazer (mesmo que essa "melhora do problema" implique em torná-lo ainda mais complexo e de difícil solução!).
Este comentário foi removido pelo autor.
ExcluirMarcus,
ExcluirPermita-me pegar o bonde andando mais uma vez. Quero fazer um comentário sobre uma pergunta que você fez e que me pareceu muito importante.
"A pergunta é esta: 'por que, apesar de se nos apresentar como um fato da experiência, precisamos pensar que a consciência simplesmente não existe?'."
Talvez tenhamos que dar um passo para trás para entender por que algumas pessoas negam a existência da consciência. Qual DEFINIÇÃO de consciência temos em mãos? Se tomarmos "consciência" como uma coisa, um objeto ou uma substância, encontraremos sérios problemas ao tentar defender sua existência. Se "consciência" se referir a algo à parte do mundo, mesmo que com ele se comunique, a situação fica ainda pior. O que podemos fazer?
Ao estilo Nagel (1974)¹, poderíamos pensar que a consciência é "algo como ser um indivíduo", isto é, é o ponto de vista - ou a subjetividade - de um indivíduo. Ao estilo Nagel, meu colega Diego Zilio (2011)² sugeriu que a consciência é o comportamento sob o ponto de vista do organismo que se comporta. Trocando em miúdos, teríamos que "consciência" é um termo usado para se referir não simplesmente à RELAÇÃO de um indivíduo com o mundo, mas à SUA perspectiva dessa relação. Se assim for, eu não vejo por que negarmos que a consciência existe. A minha existe, pelo menos.
¹ Pode ser acessado em: http://www.cle.unicamp.br/cadernos/pdf/Paulo%20Abrantes%28Traducao%29.pdf
² Pode ser acessado em: http://www.usp.br/rbtcc/index.php/RBTCC/article/viewFile/433/326
ExcluirO problema é que muitos partem de uma definição digamos "caricata" de consciência para dai concluir que não há consciência. Mas quando a questão é colocada em pratos limpos assim como você fez agora, seguindo o exemplo de Thomas Nagel e do nosso colega de profissão Zilio, fica difícil negar a consciência...
Mas vai ver o Gustavo e o Nivaldo sejam zumbis, kkk
O pior é que mesmo se eles forem zumbis, podem acreditar que têm consciência mesmo não a tendo, pois um zumbi à la Chalmers é cognitivamente indistinguível de nós dois, seres conscientes. Eles são apenas fenomenologicamente diferentes (não têm nenhuma fenomenologia). Mas agora surge outra questão. É possível falarmos em cognição sem fenomenologia, mas será possível que cognição e fenomenologia possam ser realmente separadas fora da linguagem? Será que um sujeito pode acreditar, saber, perceber e lembrar sem que tenha experiências conscientes? Se a resposta for não (e eu acho que é), então essa é mais outra razão para pensarmos que o argumento dos zumbis não diz nada de possível em relação ao problema mente-corpo.
ExcluirMarcos,
ResponderExcluirAinda que eu pense que não seja necessária uma tréplica da nossa discussão, penso que preciso clarear algumas coisas, sobretudo pelo respeito que tenho por você e, em particular, por aqueles que conheço há mais tempo aqui.
1. Foi ironia, não uma tentava de vitimizar-me. Seria cômodo isso, é claro. Ser vítima é uma maneira de nos desresponsabilizarmos, mas era apenas ironia mesmo. Aliás, não quis mobiliar ninguém contra você - os seus próprios agumentos têm feito isso, pelo que noto.
2. Quando eu digo "descansar", não é pejorativo. Eu te explico: profissionalmente, eu faço antropologia, dou aula, pesquiso. Curto demais fazer isso. Mas não é "só curtição": há relatórios para agência de fomento, há pareceres ad hoc, de projetos e revistas e, escrever que é ótimo, nunca é algo que se pode fazer com pleno prazer - se faz com prazo, com ter que sacrificar algum argumento, para não passar dos, sei lá, 10.000 caracteres que a revista Qualis A1 exige, e na qual nos sentimos obrigados a publicar, porque pontua na avaliação do programa, e gera novos financiamentos, para a gente poder continuar fazendo o que gosta. Mas é mais burocracia do que prazer. Quando o Nivaldo sugeriu esses diálogos, eu não pensei que eles deveriam ser tão "institucionalizados", como parece ser a sua exigência. Eu achava que seria um "descanso" - prazer, sem burocracia, sem institucionalizar.
3. Assim, quando eu digo que descanso lendo filosofia, também não é pejorativo. Eu estudo antropologia para o meu trabalho, o tempo todo. Quando posso descansar, leio filosofia - e repare na diferença: "estudo antropologia", "leio filosofia". Não tenho ferramentas para estudar filosofia, não sou profissional nisso - é outro prazer, que no fim das contas, não sei se valerá à pena um dia querer cursar alguma coisa nessa, pois acho que eu estaria institucionalizando esse prazer.
4. Quando eu digo que não entendi nada do que escrevestes, é verdade mesmo, e não era ironia. Cara, eu estudei um pouco de Dennett, Searle, Churchland e alguns outros, há 15 anos. Depois disso, uma ou outra leitura - e isso responde pela sua acusação de que eu não sei nada de filosofia da mente. De fato, não sei. E quer saber mais, não é o que me interessa em filosofia - o Nivaldo sabe disso, e isso nunca impediu de termos diálogos ótimos, de trabalharmos juntos. Pra não dizer que eu não estudei um pouquinho de filosofia (não da mente) - mas bem pouquinho mesmo, eu li bastante Nelson Goodman e Ian Hacking no meu segundo pós-doc. Eu trabalhei num projeto sobre representação, mais especificamente, sobre o estatuto do texto na antropologia. É uma disciplina que se diz descritiva. O texto é central - mas que tipo de representação ele opera? Eu fiz uma aposta nominalista/construtivista, de que a descrição cria - não imita, não espelha A realidade - ela cria uma. Só isso. Se tu achas coerente ou não ou que eu deva defender algo ou não, sei lá. Foi isso que eu quis fazer.
5. Com tudo isso, seu eu me abster de publicar algo aqui, não é por nossa discussão em particular, mas pelo fato de não poder acompanhar vocês em um debate que está ficando técnico demais para o tamanho das minhas pernas. Eu imaginei, de verdade, que se pudesse discutir aqui algumas ideias (não menos sérias) mas sem o compromisso de ficar afirmando o tempo inteiro, algum tipo de predileção teórica ou postura intelectual. Talvez eu tenha sido romântico, mas o "diálogos" me remeteu àquela filosofia da antiguidade (sem capes, cnpq, cnrs - sem ciência, sem universidade...). Se é para fazer um paper, eu vou estudar, vou pra minha sala na universidade, vou escrever com mais cuidado (e muito mais tempo) e então submeter a algum periódico, e não postar aqui. Aliás, eu voto sim pela qualidade e seriedade do debate - mas não pela institucionalização dele. Senão, a gente poderia continuar com o papai e mamãe de sempre: cada um escreve um capítulo, junta a coisa, faz uma introdução, bota capa e imprime. Eu achava que não era essa a ideia.
Não é pelo motivo de ele ter falecido a poucos dias que agora vou tentar me retratar com tudo o que eu já reclamei acerca dos textos do Rubem Alves, entretanto, mesmo eu não apreciando praticamente nada do que ele escreveu, em uma palestra que eu tive o prazer de ouvir (sim! Prazer mesmo, pois o "cara" é muito bom nisso!) ele disse algo que eu adorei mais ou menos assim: "uma das vantagens em ser velho, aposentado e já ter terminado o doutorado é que agora eu posso pensar com minha cabeça e não ter mais que ficar citando ninguém caso eu não queira!"
ExcluirDesta fala do autor que eu já cheguei a detestar quando ele disse que iria escrever algo inspirado em Kant denominado a Crítica da Razão Culinária (daí foi demais para mim, sério!) compartilho a crítica presente inspirada nele que teci no primeiro parágrafo deste post e creio que você Jean também concordará comigo: hoje, nas universidades brasileiras (não só é claro) parece estar havendo cada vez mais um distanciamento do feito científico/filosófico em relação às exigências descabidas que temos em relação ao tal de curriculum Lattes. É prazo para tudo, exigência de formatações de estruturas de revistas que estão muito acima da importância do próprio proceder e resultados da investigação. Me lembro um dia que tive que ouvir de um coordenador de curso se vangloriando que em sua universidade/curso o resultado dos trabalhos de conclusão foram maravilhosos, economizaram 8000 folhas de papel! Note, chega a ser criminoso isso. E, por isso, que vou continuar defendendo momentos como esse. Livres em essência, mas regrados pelo objetivo de, de fato, contribuir.
Quanto a quem é mais ou menos entendido em um determinado assunto, isso é sempre muito bom. Os que melhor entendem algo auxiliam os que, em tal aspecto são mais fragilizados, e, assim, caminhamos. Claro, umas discussões um pouco mais quentes nunca vão nos fazer mal, ok! Imaginemos, por exemplo, se Michael Faraday não tivesse tido auxílio de um notável matemática da época (que agora não me recordo o nome) para dar um tratamento mais sofisticado a várias de suas invenções! Certamente, a ciência, por Faraday não ser bom em matemática, estaria muito triste nos dias de hoje!
(Acho que o que ajudou o Faraday foi o cálculo infinitesimal. Vi na série Cosmos!)
ExcluirMas, por falar em Faraday e sua fragilidade matemática, creio que talvez a consciência venha a ser talvez uma dessas ficções que, em determinado tempo e para determinadas pessoas, um bom recurso para àqueles que, como Faraday em relação à matemática, não tinham ao seu dispor ferramentas suficientes para o exercício de seu trabalho. Ou, mesmo tendo tais ferramentas, em determinadas ocasiões, lançavam mão de termos como "consciência" para poder dar prosseguimento à pesquisa em pauta. Mesmo eu não admirando o Husserl, a tal da "epoqué", se utilizada como recurso metodológico, em muitos casos, se tornava um elemento altamente eficaz para o tratamento de muitos problemas. Pelo simples fato de que não é possível, em todos os tempos, possuirmos todos os termos, absolutamente conceituados de modo evidente em todo empreendimento que se esteja fazendo. Isso é apenas impossível por uma simples questão da própria limitação da capacidade intelectual do indivíduo humano (como também, aplicável a própria espécie humana).
ResponderExcluirNeste perspectiva, consciência não tem ontologia. Continua se adequando perfeitamente a uma postura monista. Todavia, ela, neste caso, se torna apenas um recurso que auxilia na formulação de estruturas argumentativas para falar de problemas correlatos ao comportamento (uso o termo comportamento aqui não no sentido skinneriano) dos elementos que fazem parte do Sistema Nervoso Central e Periférico (e, creio outras partes também do corpo humano).
Nivaldo, concordo enormemente com a visão de que teorias são modelos para explicar fenômenos, não os fenômenos em si. Temos de ter isso claro ao fazermos Filosofia ou ao aplicarmos o método científico - o que não implicaria, necessariamente, num antirrealismo, diga-se de passagem. Mas uma questão sempre me intriga: como podemos diferenciar teorias que são meramente artifícios úteis, como a consciência, que não se referem a algo que realmente exista, e teorias que, por outro lado, se referem a algo existente (ninguém negaria que existe algo como a "gravidade", descrito na Lei da Gravidade)?
ExcluirFelipe,
ExcluirPrimeiramente eu gostaria de dizer que estou evitando ao máximo estabelecer uma discussão em termos fenomênicos. Como já apresentei aqui mesmo nesta discussão, tenho sérias restrições ao termo "fenômeno". Parece que tal termo se tornou um lugar comum e tido como consenso em diversos constructos teóricos. Todavia, divirjo disso fortemente, OK! Neste caminho, prefiro a ideia de que modelos explicam coisas e deixo aberto a possibilidade de que o próprio modelo possa vir a se tornar o alvo da reflexão/análise.
Deixa eu tentar esclarecer alguns pontos para ficar mais fácil discutirmos (algo assim tão complexo!!) acerca da questão que te intriga:
i) quando apresentas: "como podemos diferenciar teorias que são meramente artifícios úteis" - vamos um pouco mais devagar para podermos progredir de modo mais assertivo. Não estou discutindo a tese de que teorias são artifícios úteis (todavia, seria uma extraordinária discussão!). Não concordo com você com o uso do termo "meramente", dá a impressão de que é um juízo moral, se for, fica minha crítica de que esse tipo de juízo, neste caso, é desnecessário; se não for, esqueça minha crítica!
ii) quando continuas em seu texto e apresentas a consciência como sendo uma teoria que é entendida como um artifício útil - particularmente não entendo que consciência seja uma teoria, mas apenas, segundo tua linguagem, um artifício útil.
iii) não concordo que a consciência não tenha referência a algo existente. Aqui é um ponto muito interessante! Note, a consciência é um termo útil, econômico e muito eficaz para tratar de instâncias que em nenhum momento venham a implicar na aceitação de qualquer tipo de ontologia não física. O que quero deixar muito claro é que NÃO sou dualista em hipótese alguma. Não entendo a consciência como ela tendo uma ontologia não material (que é o que os partidários da existência dos qualias, me parece, terão que aceitar!).
iv) assim sendo, creio que eu tenha conseguido demonstrar que sua preocupação não se aplica justamente pelo motivo de que não entendo a consciência como teoria, e muito menos que a consciência se refira a algo não-real, ao passo que, como apresentas em sua dúvida, a tese de que existam teorias/consciência (ou como tentei deflacionar para o caso da consciência) que se referem a algo que não existe de teorias acerca de entes existentes, OK!
* Quanto a questão da gravidade, neste caso, creio que você entrou num PROBLEMÃO! Pode até ser que esse termo "gravidade", de fato, corresponda a algo existente, mas além dos efeitos deste "algo", juro que eu não faço a menor ideia de quais sejam os componentes físico-químicos desta tal gravidade. Até que fica uma questão muito interessante para os filósofos da ciência, todavia, não vou adentrar também nesta questão neste momento...
i) Sim, não foi juízo de valor.
Excluirii) É, usei os termos um tanto indisciplinadamente.
iii) Quando me referi à consciência como um construto que pode se referir a algo "não existe", foi mais no sentido de que não é impossível que a consciência seja um termo fadado ao fracasso tanto quanto outros como "energia vital". Veja, em alguns contextos, usar a expressão "energia vital é um verdadeiro atalho comunicativo, muito prático. Mas é improvável que, num sentido ontológico, exista algo como uma energia vital fazendo com que alguns arranjos de matéria sejam "vivos". A consciência, no entanto, é útil, explicativa. Mas ela pode ser um termo barroco.
iv) Sim, mas talvez ter a "consciência" como um construto, já seja uma condição suficiente pra tornar a dúvida pertinente, não?
* Hum...Bom, ok! Deixemos o problema da gravidade de lado então.
Teu tópico "iii" é muito interessante mesmo!
ExcluirEm relação ao problema da gravidade ele abre uma questão muito interessante que é a de tratar os efeitos sem, no dado momento, ter acesso ao elemento causante. Creio que essa relação também possa ser estabelecida em diversos assuntos no que tange ao fazer psicológico, por exemplo. Note, posso dizer que uma pessoa está deprimida sem ter que assumir que tal evento tenha uma ontologia especial. Posso utilizar de tais e tais técnicas para melhorar a condição de vida da pessoa que está deprimida. Tudo isso não é problemático. O que eu não concordo é quando assumimos que eventos do tipo "depressão" são eventos/realidades de ontologia especial (algo que os dualistas mais corajosos aceitam... e muitos mascaram através do não enfrentamento direto do problema, ok!).
em continuum... talvez a consciência deva sair do seu lugar de elevado status para a filosofia da mente e neurociência...talvez uma perspectiva mais deflacionária seja interessante.
ResponderExcluirJean, neste caso, creio que não venhamos a ter o problema que tanto apontas em relação a confusão que é feita quando se trata o modelo como sempre o objeto. É claro que modelos podem vir a ser o objeto de análise, mas sei que não é neste sentido que apotas. Creio, se entendi tua preocupação, que não fica de todo interessante colocarmos a consciência como um modelo que explica aquilo que é, justamente ela, o que deva ser explicado. Isso poderia nos levar ao problema que já discuti com o Eduardo Benkendorf da UFSC quando a possibilidade de utilizarmos um manual escrito numa linguagem que eu não entendo para me ensinar a falar exatamente esta linguagem. Ou seja, utilizar da consciência que eu nada (ou muito pouco sei) para, justamente através dela, saber sobre ela!
Jean Segata,
ResponderExcluirTambém vou lhe falar por tópicos...
1. Meu nome se escreve com ‘u’.
2. Não acho que meus argumentos têm movido as pessoas contra mim, mas apenas contra os meus argumentos, propriamente. O Gustavo por exemplo é explicitamente contrário a minha visão das coisas, mas acredito que ele não tem nada contra a minha pessoa. E se está havendo oposição ao que tenho argumentado, então acho que a discussão vai muito bem. É isso que se espera numa discussão filosófica, o embate saudável de ideias... de ideias jamais de egos.
3. Debater com rigor e precisão conceitual não é “institucionalizar” nem “burocratizar” nada, é apenas ter amor e respeito pela clareza e pelo conhecimento. Quando um interlocutor discorda de um posicionamento, o que se espera numa discussão genuinamente filosófica é que ele articule uma objeção e se acaso o proponente do argumento contestado não se dê por convencido, espera-se que este formule uma réplica. Se por ventura alguém nota um erro conceitual, lógico, etc., na argumentação de outra pessoa, o que notou o erro o corrige naturalmente, pois não há motivo para esse tipo de pudor em filosofia. Se o outro não concorda com a correção, então deve mostrar por que razão sua visão das coisas não está errada. É essa exatamente a essência da boa e despretensiosa filosofia. Critica-se, defende-se, refuta-se e corrige-se. E o que se espera é que essa atividade seja levada a cabo com o máximo rigor possível independente de qual seja o espaço: revistas de qualis A, blogs, facebook, whatsapp... Isso você pode conferir por conta própria. Basta dar um passeio em diversos espaços onde se discute filosofia da mente, da linguagem, epistemologia, metafísica, e afins. Claro, há sempre aqueles que procuram lazer, entretenimento ou descanso nesses ambientes. E embora tenham direito a isso, não podem se queixar de quem frequenta esses espaços com a finalidade de discutir com algum rigor e profundidade. Se essa dinâmica o choca, então lhe adianto que não irá gostar nada de se aventurar por esse tipo de filosofia. Se no entanto estiver disposto a um certo “distanciamento de si” em favor da procura pela razão, esteja ela do lado que estiver, então garanto que só tem a ganhar.
4. Parece que você interpretou mal minha posição. Em primeiro lugar, nunca defendi que questões filosóficas devam ser exauridas em questões empíricas, ou que devam ser analisadas exclusivamente pelos métodos das ciências empíricas. Isso é exatamente o que não defendo, e já deixei isso explícito aqui nesse espaço em outras oportunidades. O que eu disse é que para se investigar a consciência em termos de terceira pessoa, só precisamos ter em conta os aspectos funcionais/relacionais desse fenômeno. Mas nunca disse que a análise da consciência se esgota na análise em terceira pessoa. O problema qualitativo da consciência é a meu ver muito mais um problema filosófico do que empírico, precisamente porque, como venho defendendo explicitamente, ele não se exaure na análise de terceira pessoa. Ao menos até o momento, só podemos atacar adequadamente esse problema por um viés analítico-conceptual (pode até conferir essa minha posição num post que enderecei a você em 25 de julho de 2014, 14:13, embora ela já esteja explícita desde o meu primeiro post) Pelo que pude notar, você também defende isso, embora eu tivesse a impressão de que você defendesse uma posição como a do Gustavo. Em segundo lugar, não faço confusão entre modelos e realidade. Não ser capaz dessa distinção é como confundir mapas com territórios. A confusão entre modelos e realidade, parece-me, é sua, pois sugerir que só há modelos ou que a realidade é construída por modelos é que parece ser uma posição equivocada. É idealismo, pura e simplesmente. Não digo que seja algo indefensável, mas não é o tipo de coisa que se assumir de graça ou simplesmente por “opção”, como tem dito.
ResponderExcluir5.Como a proposta do ‘Diálogos’ é interdisciplinar e considerando que esse espaço não discute apenas filosofia da mente, mas ciências cognitivas em geral, penso que não há necessidade de você se ausentar só porque o tipo de discussão que venho mantendo com alguns usuários não lhe apetece. Há uma variedade de abordagens sobre a consciência. Por que não propor algo em antropologia, ou quem sabe em psicologia cognitiva, psicologia evolutiva ou neurociências? Isso certamente enriquecerá o conteúdo do projeto ‘Diálogos’. Sobretudo se o compromisso com o rigor e sistematicidade também for observado nos outros possíveis diálogos. Também não acho que os diálogos propostos precisem necessariamente de se cruzar. Alguns podem ser conduzidos em paralelo, de modo que os participantes sintam-se a vontade de se abster dos assuntos que não consideram palatáveis.
Um apontamento que acho de suma importância a esse projeto é o seguinte. “Militar” em favor de que as discussões busquem rigor e precisão, de modo algum significa que exista um parâmetro ao qual todos têm de se nivelar. O compromisso com o rigor é apenas o compromisso com o melhor que podemos fazer, só isso. Se eu discuto só até uma certa etapa, ninguém está no direito de exigir que minha discussão alcance outra etapa. O que não parece correto é a “intolerância” aos que pretendem dar o melhor de si. Pessoalmente, quero dar o melhor de mim, por mais que não possa oferecer grande coisa, pois sou um argumentador mediano e limitado (estou apenas engatinhando na filosofia, preciso melhorar muito). Enfim, me incomoda quando alguém se incomoda com os que tentam fazer o melhor que podem.
ResponderExcluirNão estou acusando ninguém dessa “intolerância”. O que digo é apenas que, em um diálogo que se pretende sério e crítico (seja filosófico, científico, político...) busca-se mais o conhecimento e menos o enaltecimento dos egos.
Marcus, faço coro ao seu chamado de outros realistas. Gostaria até de discutir com dualistas também. Nivaldo e Jean, vocês podiam convidá-los.
ResponderExcluirQuanto à minha posição, não me diria antirrealista, mas algo similar ao Nivaldo, um monista deflacionário. Ou seja, não nego que sinto frio, mas nego que esta sensação exija toda uma nova ontologia para ser explicada. Cabe lembrar que um Zumbi (e também o robô que dei em outro exemplo) afirmam sentir frio e, para mim, o sente como eu sinto. Eu, assim como eles, não tenho nada de "especial" por isso.
Infelizmente, ainda estou sem saber a resposta para a questão que considero fundamental, a questão ontológica (ou metafísica). Tentei obter a sua resposta com as 3 perguntas sobre o mundo zumbi, mas, para mim, ela não ficou clara (acho até que não respondeu).
Eu concordaria com você que é "intuitivo" que nossa consciência causa algo. Mas acrescentaria que o epifenomenalismo explicaria esta intuição sem grandes problemas. Além disso, o fisicalismo explicaria ainda melhor, pois a consciência, sendo explicada por processos físicos, poderia causar algo físico sem problemas.
Seja como for, acho que chegamos a um ponto fundamental no nosso debate. Considero ponto fundamental aquilo que há de mais "profundo" na filosofia. É quando duas pessoas divergem não só em seus argumentos e no modo como eles se estruturam, mas divergem nas suas intuições mais fundamentais que dão origens a estes argumentos. Neste casos o debate perde parte de seu sentido, pois um fala que é óbvio X e outro fala que é óbvio Y (ou não-X). Resta, então, a cada um apenas explicitar e clarificar seu ponto.
Pois bem, você considera intuitivo a existência dos qualia com algum caráter "especial" para os mesmos. Já eu considero que intuições não nos dizem grandes coisas. Escrevi sobre isso em um artigo antigo meu que marca justamente o ponto onde eu estava deixando de ser dualista e me tornando materialista (http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-31732006000200010). Nesta época eu ainda estava em dúvida e o artigo mostra bem isso. Creio que a questão aqui (e no artigo) é justamente "o quão confiáveis são nossas intuições?". Para isso, acho que o melhor exemplo que temos que tratar é o do "eu". Você levanta críticas a existência do "eu", no entanto, imagino que reconheça que para muitos, diria para a grande maioria, ele é uma intuição tão clara que é inegável. Mas tais intuições sobre nós mesmo, sobre aquilo que nos é mais próximo (e o que pode ser mais próximo de mim do que eu mesmo??) podem não só estar erradas, mas serem explicadas em outros termos. Acredito que os qualia não são diferentes. Sinto frio, é claro, mas esta sensação deve ser explicada em outros termos que não simplesmente fenomenológicos (ou de 1ª pessoa). É algo assim que Dennett tenta fazer (e Chalmers simplesmente responde que ele "Não leva a consciência a sério"... ora, levar a consciência a sério é somente PRESSUPOR o conceito de consciência de Chalmers!).
olha muitos comentários a respeito de sentir friu ,,ou calor isso não faz parte de consciência o problema dela ou entendi errado ,,,há se to com friu há se senti uma picada,bom pelo meu entendimento isso faz parte do sistema sensorial que faz parte do sistema nervoso que leva informação a partes do cérebro no processamento de informação através dos neurônios que é visão, audição,olfato,paladar, tato. o problema da consciência e como um todo de um ser animado com inteligência pensante de raciocínio senso comum para o entendimentos físicos,creio q voceis fugiram do tema ou eu que entendi errado.as Eduardo Floriano Wolf
ResponderExcluirCaro Eduardo,
ExcluirCreio sim que talvez possamos chegar um dia a conseguir separar completamente as percepções sensoriais (sentir gosto, frio, calor, dor...) dos estados de consciência. Entretanto, isso ainda me parece bastante distante em nível meramente neurocientífico, ainda mais quando levamos em consideração problemas epistemológicos e ontológicos, OK!
Existe também uma outra questão que sempre me deparo quando tendo tratar a nossa tentativa de saída do Mistério da Consciência para algo, pelo menos, problemático. Esta questão refere-se aos "poderes" causais existentes entre os seguintes níveis (estou chamando aqui de poderes causais, mas, para não entrarmos novamente na discussão que Hume já apontou a muito tempo, creio que possamos entender, pelo menos neste primeiro momento da discussão, que a minha expressão "poderes causais" possa se aproximar de algo como "critérios que influenciam outros" ou "critérios que fazem com que um outro ente se movimente"):
ResponderExcluira) Causação Corpo - Corpo;
b) Causação Corpo - Mente(consciência)
c) Causação Mente(consciência) - Corpo
d) Causação Mente(consciência) - Mente(Consciência)
*utilizo o termo consciência entre parêntesis por entender, prima facie, que estados mentais estejam mais próximos dos estados de consciência do que os estados físicos. Todavia, não é uma relação necessária.
esse e o mestre Nivaldo sim agora entendi.. Eduardo Floriano Wolf
ResponderExcluirNivaldo, a relação causal entre o nível corporal/físico e outro nível também corporal físico não parece ser assim tão complicada (salvo é claro, como disseste, o problema de Hume). Mas, quando me dedico as outras três possibilidades (físico-mental, mental-físico e mental-mental) a questão torna-se muito mais complexa. Particularmente, tenho certa dificuldade em aceitar o monismo que tanto você quanto o Gustavo apontam, todavia, justificar os poderes causais entre eventos do tipo-qualia (mentais) fica particularmente difícil principalmente devido a perspectiva do movimento (que também apontantes anteriormente). Não consigo justificar, principalmente o poder causal entre o mental-mental. Talvez esta instância seja mesmo impossível, todavia, creio que o nível mental possa sim alterar aspectos fisiológicos de um organismo. Por exemplo, angústia e tristeza alteram o aspecto de minha face no momento em que eu esteja experienciando tal situação, de modo diferente, do momento em que estou alegre, e, a meu ver, nestes casos, são eventos mentais que provocam a lágrima em meu rosto (e me parece muito evidente que a lágrima esteja muito mais para o nível físico/corporal do que a tristeza que me levou a ela!).
ResponderExcluirSamantha,
ExcluirTalvez o necessário aí seja apenas modificar um pouco a visão de "mental". É curioso, e muitos tem dificuldade de aceitar, mas as emoções são altamente fisiológicas. Claro, existem eventos externos que as eliciam - para usar um termo mais comum no behaviorismo -, mas a emoção em si, entendida enquanto reação corporal, é fisiológica, orgânica (tanto quando falamos de suas expressões faciais quanto de outras reações, mesmo em nível cerebral ou corporal). O mental, nesse caso, estaria mais para um termo usado para a perspectiva relacional entre organismo e meio.
O que acha?
Nivaldo, a relação causal entre o nível corporal/físico e outro nível também corporal físico não parece ser assim tão complicada (salvo é claro, como disseste, o problema de Hume). Mas, quando me dedico as outras três possibilidades (físico-mental, mental-físico e mental-mental) a questão torna-se muito mais complexa. Particularmente, tenho certa dificuldade em aceitar o monismo que tanto você quanto o Gustavo apontam, todavia, justificar os poderes causais entre eventos do tipo-qualia (mentais) fica particularmente difícil principalmente devido a perspectiva do movimento (que também apontantes anteriormente). Não consigo justificar, principalmente o poder causal entre o mental-mental. Talvez esta instância seja mesmo impossível, todavia, creio que o nível mental possa sim alterar aspectos fisiológicos de um organismo. Por exemplo, angústia e tristeza alteram o aspecto de minha face no momento em que eu esteja experienciando tal situação, de modo diferente, do momento em que estou alegre, e, a meu ver, nestes casos, são eventos mentais que provocam a lágrima em meu rosto (e me parece muito evidente que a lágrima esteja muito mais para o nível físico/corporal do que a tristeza que me levou a ela!).
ResponderExcluirSamantha...
ExcluirNão estou defendendo o dualismo, mas seja como for, acredito que você e a Natanna estejam plenamente corretas em suas intuições sobre a interação mente-corpo, por mais que essa interação seja difícil de ser explicada tendo em vista os recursos empíricos e conceituais disponíveis atualmente.
Como destaca Gustavo Leal- Toledo acerca da pergunta de Chalmers, em que o mesmo interroga a respeito da existência do mundo físico idêntico ao nosso, mas sem qualia, acredito que não seja possível, uma vez que não consigo pensá-las enquanto sendo físicas (o que pode estar completamente equivocado, pois trata-se de uma mera opinião), mas a forma que Chalmers expõe a questão certamente é bem intrigante.
ResponderExcluirGosto da definição em torno das qualia, porém ao ler a obra escrita por Nivaldo Machado e Gustavo Leal- Toledo, qual seja, "Entre o filósofo e o cientista: poderá uma máquina sentir saudade? deparei-me com algumas incertezas a respeito destas, como no caso, em que na presente discussão, em um de seus comentários, Gustavo cita que: "podemos estar errados sobre nossos próprios qualia". Realmente acredito que podemos, e vejo isso como um grande impasse a respeito da questão, e já refleti muito a respeito de como você Gustavo, se refere em relação a tratá-las como modelos e recusarmos nossa intuição sobre estas (porém ainda não consegui formar uma opinião, embora seus argumentos sejam extremamente bem fundamentados).
Outra forma de estudar a consciência que achei extremamente relevante é como Nivaldo sugere, para tratarmos a mesma como um algoritmo de compreensão, e acredito também, que não é possível só tratarmos a consciência em nível de primeira pessoa, no meu ver isso seria uma complicação exagerada em torno do tema.
Porém, uma coisa que me incomoda, que a Samantha também ressalta, é acerca da concepção do monismo que vocês( Nivaldo e Gustavo) empregam, do meu ponto de vista o dualismo ainda pode vir a explicar muitas coisas (mais isso também é apenas uma mera opinião) principalmente a teoria alternativa proposta por Chalmers embora seja imensamente criticada, considero-a ainda relevante no que diz respeito as críticas ao materialismo.
Gustavo...
ResponderExcluirDennett está correto ao dizer que bons argumentos e indícios são mais fortes que intuições, mas está errado se pensa que só podemos aderir a uma intuição mediante bons argumentos e indícios. É exatamente o contrário. Indícios e argumentos não são condições parar aderir a intuições, mas apenas para abandoná-las. Num contexto em que temos uma forte intuição a respeito de um fenômeno, mas nenhum argumento ou evidência contrária, seria irracional abrir mão da intuição.
Dadas as evidências disponíveis no contexto cognitivo de Ptolomeu, este estava justificado em conservar sua intuição de que o sol circunda a terra, e qualquer um em condições epistêmicas semelhantes seria irracional se preferisse a crença contraintuitiva de que a terra é que circunda o sol, mesmo isso sendo verdade. Essa crença contraintuitiva só passou a ser justificada após a inclusão de novas teorias e evidências.
O caso é que temos que partir de algum conjunto mínimo de crenças, e estas precisam ser aquelas que se mostram mais intuitivas de início. Seria irracional se diante de um problema, preferíssemos partir de crenças contraintuitivas -- ou seja, que nos parecem obviamente falsas -- mesmo sabendo que o que se nos apresenta como intuitivo no momento pode se mostrar errado no futuro. A bem da verdade, desde Ptolomeu fomos obrigados a abrir mão de dúzias de crenças intuitivas acerca da natureza. Mas não é esse, parece-me, o caso da consciência. Não temos ainda indícios e bons argumentos que nos forcem a abandonar a intuição de que experiências conscientes existem, que têm poderes causais e que sejam ocorrências de primeira pessoa. Por isso, abrir mão dessa intuição no atual contexto de nosso conhecimento seria irracional, motivo pelo qual os eliminacionistas, epifenomenalistas e deflacionistas fazem uma inversão de ônus ao requererem provas da consciência quando são eles que devem fornecer provas e argumentos contra a consciência. E de fato o fazem, mas não convencem.
Ainda sobre intuições... Em meu artigo divulgado aqui no blog defendo que intuições são sensíveis ao contexto, de modo que parece difícil falarmos em intuições pré-teóricas, embora seja um exagero aplicar isso a todos os casos; afinal, que tipo de enviesamento teórico teriam bebês e animais? Eles certamente têm experiências conscientes, mas não têm nenhuma teoria. Também é presumível que essa sensibilidade ao contexto dê-se de forma desigual de intuição para intuição, já que algumas intuições podem ser modificadas com mais facilidade enquanto outras, como a de que temos consciência, respondem muito pouco a molduras teóricas; possivelmente o conteúdo teórico dessas intuições é perto de zero.
ResponderExcluirSeja como for, mesmo que crenças intuitivas ocorram num entorno teórico, são intuitivas assim mesmo. O que ocorre é que elas podem ser modificadas, apenas isso. Pessoas sem formação científica naturalmente consideram contraintuitiva a forma relativística de se compreender a gravidade, mas a um físico contemporâneo a relatividade pode ser intuitiva na medida em que se mostra internamente coerente no sistema de crenças científicas ao qual ele foi progressivamente habituado. Todavia, essa consideração só conta a favor dos antirrealistas, se houver um sistema alternativo de crenças científicas que o permita acomodar plausivelmente suas “intuições” antirreralistas, mesmo porque, para se converter em crença intuitiva, o antirrealismo necessita primeiro desse sistema teórico adequado para que se torne palatável, do contrário, será uma posição gratuita, sobretudo se considerarmos o fato de nossas crenças fenomenais mais básicas serem fortemente intuitivas.
Antes de comentar qualquer coisa, gostaria também de deixar claro que estou bem longe de ser especialista em filosofia da mente, ou grande conhecedor de vasta bibliografia acerca do assunto. Entretanto, após a leitura dos comentários, creio ser possível fazer uma indagação geral, que envolve a temática proposta: percebi uma infinidade de dúvidas e incertezas, além de alguns posicionamentos bastante contrastantes acerca da consciência. Até onde sei, também é assim entre alguns dos principais filósofos que tratam do assunto (reducionistas, pluralistas ontológicos, dualistas, etc.). Será, portanto, que já é possível falar de um problema da consciência? Parece-me que estamos diante de inúmeros. Tomando somente este debate como referência, acho que seria muito mais fácil argumentar no sentido de defender o mistério da consciência do que no sentido de definir claramente o problema (e a facilidade da primeira opção não significa que eu a considere a melhor). Tenho, desde meu primeiro contato com os trabalhos sérios acerca da Filosofia da Mente (em 2004, na minha chegada ao grupo), a constante sensação de que há inúmeros posicionamentos interessantes com bons argumentos. Posicionamentos estes que, muitas vezes, discordam em inúmeros aspectos.
ResponderExcluirPor estes e outros motivos, ainda parece muito complicado estabelecer o problema da consciência. Assim sendo, pensei que se deveria então buscar estabelecer algum (ou alguns) problema comum aos posicionamentos diversos, pois, se todos os posicionamentos (ou pelo menos os mais relevantes) concordam com algum ponto em comum, seria mais fácil estabelecer o problema da consciência. Como eu não tenho leitura suficiente para fazer isso sozinho, proponho o trabalho em conjunto (se julgarem que o que vou propor é uma boa ideia). Não quero ditar as regras do debate, mas, se o objetivo é estabelecer o problema da consciência, não seria interessante relacionar primeiro os vários problemas existentes para verificar um (ou mais) problema comum a todos eles? E este seria, então, O problema da consciência (se é que ele existe).
Este comentário foi removido pelo autor.
ExcluirMeu nobre amigo Mickhael,
ExcluirConcordo muito com sua preocupação de que devemos organizar melhor o debate aqui. Entretanto, creio que esta tempestade inicial (praticamente um furacão nível 5) seja também importante. Creio que um dos principais objetivos já conseguimos alcançar, que é justamente o de demonstrar o quão misteriosa e complexa é a análise da Consciência. Pelo menos de minha parte consegui perceber que, além da implicação do termo consciência ser enorme numa gama gigantesca de estudos e quase sempre tomado como "evidente" nas construções teóricas, vejo também, que necessitamos muito fazer o que você propõe, ou seja, tentar apresentar algo mais consistente que possibilite um trabalho filosófico/científico bem estruturado de modo a resolver (ou pelo menos contribuir muito) para a saída do mistério para algo problematizável (mesmo que no final cheguemos a conclusão de que a consciência não passe de um pseudo-problema!).
Samantha, sua tristeza pode ser física. Hoje em dia, por exemplo, tratamos a depressão muito mais como um distúrbio físico do que mental ou mesmo emocional. Foi uma virada no modo de se entender o mesmo a partir de estudos neurocientíficos. No futuro podemos tratar assim todas as demais emoções, sentimentos e sensações.
ResponderExcluirSe a tristeza não for física, teríamos dois problemas. O primeiro apontado pelo Nivaldo: como algo não-físico causa algo físico? O segundo é que algo não físico pode simplesmente acontecer em paralelo com algo físico, de modo que o epifenomenalismo explica a sua relação entre tristeza e lágrimas tão bem quanto o interacionismo.
Natanna, o dualismo não é explicativo. Ele não diz NADA sobre o que é a mente, de que ela é feita e como funciona. Absolutamente NADA. Ela apenas diz que pelo motivo X ou Y ela não é física. É, na verdade, um abandono das explicações. É como dizer que W é assim "porque Deus quis", ou seja, é uma não-explicação.
ResponderExcluirGustavo,
ExcluirTenho muito dificuldade de discutir contigo pelo simples fato que concordo absolutamente com você tanto em sua resposta ao que postou a Samantha quanto ao dito pela Natanna.
Gustavo,
ExcluirConcordo com você que o dualismo não é explicativo. Porém acredito que essa situação possa ser alterada. O que eu vejo que o materialismo não da conta de explicar completamente é a respeito dos sentimentos como tristeza, alegria, raiva (como a Samantha destacou), e que apesar dos avanços em torno da neurociência (que acho fantásticos) , pelos quais hoje é possível detectar a ativação de determinadas áreas cerebrais quando alguém apresenta algum sentimento por exemplo, vejo que isso vai além dos processos físicos, apesar de os mesmos terem um papel importante. Sei que minha opinião é baseada no senso comum, porém acredito que os seres humanos não podem ser resumidos em processos físicos por apresentarem sentimentos, sensações de formas muito distintas, mesmo estando num mesmo ambiente e grupo familiar. Se realmente fossemos só processos físicos acredito que seriamos bem mais previsíveis e controláveis. Sei também que o dualismo não da conta de explicar essa acentuada diferença, porém tenho esperanças que um dia consiga. Em suma, sei que meus argumentos possam estar completamente equivocados, devido ao fato de não conhecer profundamente a área, e sempre estarei aberta para mudar meus pontos de vista, por outros que se apresentarem mais adequados.
Natanna, o dualismo não é um campo de pesquisa, não está andando para lugar nenhum. Não creio que no futuro poderá explicar algo. Ao contrário dele, as neurociência são um dos campos mais frutíferos da atualidade. Isso não quer dizer que ela vai resolver tudo, mas quer dizer que a aposta nela parece mais "racional" (usando o conceito de razão que expliquei em outro post).
ExcluirNatanna...
ExcluirRealmente o dualismo não explica muito coisa. Só que algumas correntes monistas também não explicam nada, como é o caso do eliminativismo. Assim, não acho que você esteja numa posição menos privilegiada nessa discussão.
Além do mais, partir do senso comum nem sempre é um problema. Em muitos casos as intuições do senso comum são mais sensatas que argumentos filosóficos sofisticados. E acredito que sua intuição de senso comum sobre a interação mente-corpo esteja corretíssima.
O senso comum é apenas a filosofia (ou ciência) de outra época agora cristalizada e difundida.Muda conforme o tempo muda. Tratá-lo como pedra de toque é entendê-lo como proveniente de intuições básicas inalteráveis, o que não é o caso.
ExcluirNão digo que o senso comum é inalterável. O que digo é que o senso comum não é menos razoável que uma posição filosófica só por ser senso comum. Em muitos casos, o senso comum é comum precisamente por estar correto, por ser algo amplamente evidente. Além do mais, algumas intuições de senso comum parecem realmente resistentes ao tempo, a de que temos consciência e que esta mantém uma relação causal com o comportamento é uma delas. Por fim, o senso comum poder ser alterado não significa que seja descartado. ‘Alterar’ pode significar ‘refinar’, ‘reformular’... ser reconstruído em numa versão mas sofisticada.
ExcluirMarcus, creio que é precisamente pelo motivo que você menciona, que o eliminativismo se mostra como um programa FUTURO. Ou seja, ele prevê que, no futuro, uma neurofisiologia mais avançada vai substituir o modo como tratamos nossas qualia. O que Dennett faz é mostrar que no presente já existem alguns INDÍCIOS disso que pode nos aproximar desta posição. Mas são incipientes, com isso concordo com você, de modo que a escolha pelo eliminativismo é uma aposta de fundo metafísico em um programa futuro baseado em teorias e algumas evidências ainda debatíveis.
ResponderExcluirNo entanto, como disse na resposta para a Natanna, apostar no dualismo é apostar na não explicação.
Natanna, quanto aos zumbis, vamos esquecê-los por um segundo e ponderar o seguinte: em seres humanos, sempre que eles relatam sentir dor as fibras-c são estimuladas. Mas será que poderíamos PENSAR em fibras-c estimuladas sem que se sentisse dor? Isso seria logicamente possível?
ResponderExcluirCom certeza é uma excelente pergunta Gustavo!
ExcluirRefletindo superficialmente a respeito, acredito que realmente seja difícil pensar em fibras-c estimuladas sem sentirmos dor.
Isso seria logicamente impossível? Inconcebível? Assim como é inconcebível um quadrado de sete lados?
ExcluirSe sim, o que a impede de dizer que dor e estímulos das fibras-c são a mesma coisa?
Gustavo,
ExcluirPor coincidência, ontem aconteceu um fato que achei interessante a respeito do que estamos discutindo. Estou gripada há duas semanas e ontem à noite fui ao médico para que o mesmo me receitasse algum remédio. Ele então examinou minha garganta e percebeu que a mesma estava muito inflamada, porém eu não estava sentido dor alguma... o que foi motivo de admiração dele... Porém (misteriosamente), depois de saber que estava com uma inflamação na garganta, não demorou uma hora pra que eu começasse a sentir muita dor na mesma.
Desse modo fiquei pensando será mesmo que dor e estímulos de fibras-c são completamente a mesma coisa?
Natanna,
ExcluirSua pergunta ao Gustavo é muito interessante, e, até mesmo com elevada carga retórica se nos deixarmos levar pela sedução do discurso, ok!
Veja, no próprio contexto que apresentas encontrarás a resposta para tudo aquilo que eu (e muito proximamente, o Gustavo) estamos querendo dizer. Vou tentar ser bem claro e direito: quando você diz que está gripada, você está usando um típico termo extremamente útil em seu processo comunicacional para este caso, que é "gripada". Imagine se você tivesse que descrever detalhadamente em todos os ser pormenores detalhes tudo aquilo que está envolvido apenas nesta sua atual condição (desagradável é claro!) de estar gripada!? Note, só para descrever/explicar a febre, creio que talvez não terias vida suficiente para detalhar apenas esse evento que também é partícipe do quadro "estar gripada", OK! Neste caminho, não existe uma realidade autônoma (de ontologia especial como venho argumentando ao longo do debate) para "gripada". O termo "gripada" auxilia muito a explicar para seu interlocutor (no caso o médico) para que ele possa melhor entender (e prescrever uma medicação além do cházinho de limão com mel, ok!) seu atual quadro de saúde/doença.
Quanto a parte do "misteriosamente", creio que é uma questão apenas de refinamento investigativo. Cujo resultado poderá corroborar o entendimento dos motivos pelos quais você não estava com a tal "dor" e/ou os motivos pelos quais você, mesmo em condições para (sentir a tal "dor") não estava sentindo. Isso não vai implicar na necessidade de muitas coisas: (a) que a tal "dor" seja uma realidade independente de seu organismo; (b) que exista uma explicação que aponte para algum evento não-natural para o entendimento da questão, OK! Ainda um pouco mais neste caminho, podemos dizer que a "dor" e os estímulos de fibras-c são também elementos partícipes no processo de tentativa de explicação do evento que está sendo tratado, nada mais. E, para atribuir identidade às fibras-c em relação ao referido estado de "dor" será necessário explicarmos/verificarmos o melhor possível para saber se: os elementos componentes das Fibra-c e os elementos componentes deste seu estado de "dor" são idênticos, se sim, para este caso neste tempo, poderei atribuir identidade sem maiores problemas, ok!
Natanna,
ExcluirA explicação Dennettiana para isso é muito simples: seu cérebro faz múltiplos esboços ao mesmo tempo, sendo que a cada momento só um destes está comandando seu comportamento (o que ele chama de "fama no cérebro"). Ou seja, o esboço da dor de garganta estava sendo feito, mas não estava no comando, o que mudou depois de você ir ao médico.
Eu considero a teoria dos esboços múltiplos muito sofisticada. Concordo com essa teoria. Mas não vejo nela nada que nos comprometa com a negação dos qualia. Parece-me perfeitamente consistente com o conceito de qualia, considerando que nesse conceito não está implicado a noção de “teatro cartesiano”.
ExcluirAliás, qual é o conteúdo do esboço ‘dor de garganta’? Não seria a dor de garganta? Não é a dor de garganta que, na competição com outros qualia, adquiriu controle momentâneo sobre o comportamento da Natanna?
Não, pois se for você terá que aceitar a noção de qualias que não são experenciados. Dado que você prefere o termo "experiência consciente", então teremos múltiplas "experiências conscientes" se dando ao mesmo tempo, só que só estamos consciente de um delas... Ou seja, não somos conscientes de todas as outras experiências conscientes...
ExcluirPara Dennett o que acontece é que a consciência é só esta "fama no cérebro", ou seja, o fato de que em determinado momento um só dos seus esboços está ganhando a luta para ser a resposta da pergunta "o que está se passando na minha mente agora?"
Mas não vejo que a teoria dos esboços múltiplos deve implicar em qualia não experimentados. Quando atento para um ruído justamente por ele ter cessado, isso não quer dizer que não tinha nenhuma experiência dele. Quer apenas dizer que alguns qualia estavam mais nítidos que outros.
ExcluirO problema é que você parece cultivar uma concepção “atomística” dos qualia, como se fossem partículas sensórias combatendo para entrarem num túnel da experiência que só cabe um qualia por vez. Mas uma experiência pode ter várias “fases”, é como pensar num grande borrão em que o centro tem uma tonalidade mais forte e gritante, e que vai adquirindo tonalidades mais brandas e pouco chamativas em direção a periferia.
Na psicologia há experiências clássicas com a percepção do binômio figura/fundo válidas até hoje, em que certos contornos ficam borrados e pouco nítidos, mas que ainda assim participam da experiência global. Em muitos casos são esses contornos pouco nítidos que fazem nossa atenção enfatizar alguns aspectos da figura central. Enfim, o que vejo no pandemônio de esboços é apenas uma disputa para passar de figurante a protagonista. Mas mesmo antes de seres protagonistas, os figurantes ainda estão lá, ofuscados, mas lá.
*de serem protagonistas
ExcluirNivaldo, pena que Blog não tem a opção "curtir"
ResponderExcluir:-)
kkkkkkkkk eu mereço mesmo!
ExcluirGustavo e Nivaldo,
ResponderExcluirPeço ajuda.
Fiz a leitura do que há até aqui. Discute-se qualia, consciência, mente, em maior grau. Mas vira e mexe, se usa o termo razão.
Fiquei em dúvida e tento montar algumas questões:
1. A razão é uma propriedade (humana)?
2. Tem a razão alguma ontologia - qual?
3. Não seria a razão parte de um programa teórico - ao que tudo indica, dos racionalistas?
4. Quando eu uso (ou tenho) "a razão" para estudar a mente ou a consciência, é ela entendida como algo independente delas? A razão faz parte da mente ou a mente faz parte da razão ou são elas a mesma coisa?
5. Posso "ter razão" e não saber nada da mente? Ou "usar" a mente sem razão?
Desculpem, eu não sei como formular a questão no ponho certo, mas eu tenho a impressão (ou uma intuição) de que a razão ainda é um mistério, tal qual a consciência o é.
Jean,
ExcluirSuas ponderações e arguições são pertinentes e muito difíceis. Mas vou tentar pontuar, pelo menos um pouco acerca delas, todavia, já vou dizendo que apresentarei as respostas (quando for o caso) já a partir da perspectiva que entendo ser mais aceitável, e, quando for o caso, indicarei para me auxiliar na resposta outras abordagens que não concordo muito, ok!
Vamos lá:
1. A razão é uma propriedade (humana)?
- Sim, mas não só. Entendo que ser racional possa ser uma característica atribuída a todo ente que possuir sistema nervoso que implique na possibilidade de atos cognitivos. De modo bastante simples, cães, gatos, porcos, homens, morcegos, etc.
2. Tem a razão alguma ontologia - qual?
- Não. Razão entendida como um qualia não se aplica pelos motivos que já apresentei em outras postagens, ou seja, não sou adepto de abordagens que dão ontologia aos qualias.
3. Não seria a razão parte de um programa teórico - ao que tudo indica, dos racionalistas?
- Pode ser. Entretanto, preciso saber quais são as caracterizações/descrições e argumentos que levam a esta implicação. Todavia, mesmo sendo um admirador de muito pensadores que são tidos como racionalistas, eu particularmente não me vejo como um (e mais um detalhe, não gosto também de aglutinar pensadores como sendo racionalistas, positivistas, hermeneutas, dialéticos, hegelianos, etc. Esse tipo de fazer filosofia, típico de muitos historiadores da filosofia e da ciência deixam passar graves inconsistências, logo, prefiro tratar o problema conceituando (ou tentando conceituar), argumentando, analisando. Me sinto muito mais a vontade.)
4. Quando eu uso (ou tenho) "a razão" para estudar a mente ou a consciência, é ela entendida como algo independente delas? A razão faz parte da mente ou a mente faz parte da razão ou são elas a mesma coisa?
- Esta questão creio que os dualistas, defensores dos qualias e racionalistas/idealistas teriam melhores condições de responder. Eu entendo o termo "razão" como um algoritmo também econômico que serve (e muitas vezes atrapalha pelo uso exagerado e não clarificado) para auxiliar na elaboração de explicações acerca de diversas questões, inclusive da consciência. Posso dizer: "tens razão quando afirmas que o rock é infinitamente melhor do que o pagado", neste caso, o uso do termo "razão" quer dizer que "você está correto"; mas também posso dizer: "Seres que possuem razão possuem melhor condições de aprendizagem", neste caso, o mesmo termo "razão" está sendo usado no sentido de atributo cognitivo. Veja, (i) tenho que deixar claro meu entendimento acerca do termo para poder continuar a discussão; (ii) existem vários conceitos diferentes para o mesmo termo, no caso, o termo "razão"; (iii) a utilização do termo "razão" acaba (se devidamente apresentado o entendimento acerca do termo) auxiliando na construção de teses, argumentos e teorias em diversas áreas, por exemplo, quando tratamos do problema da consciência e das relações mente-cérebro. Note, ele é econômico no sentido que eu não tenho como prosseguir em minhas elaborações teóricas acerca das coisas se eu tiver que explicar EM TODOS OS DETALHES todos os termos que utilizo, se assim fosse, a comunicação se tornaria impossível por uma simples questão te TEMPO.
5. Posso "ter razão" e não saber nada da mente? Ou "usar" a mente sem razão?
- Mais uma vez creio que os adeptos dos qualias e dualistas seriam mais indicados para responder. Entretanto, a resposta, grosso modo, seria "sim" para todos os casos (é conveniente lembrar que minha resposta "sim" não implica de modo algum que eu tenha que aceitar atribuir ontologia para qualias do tipo-mente e/ou do tipo-razão.).
* Neste sentido, bastante deflacionário como deves ter notado, a "razão" deixa de ser um mistério, foi problematizada, todavia, a consequência disto é que ela ficou despida da possibilidade de uma ontologia passando a ser apenas um termo mais ou menos útil dependendo do contexto.
Nivaldo,
ExcluirAchei muito instigantes as questões que o Jean colocou. E gostaria de ponderar algo em sua primeira resposta:
"1. A razão é uma propriedade (humana)?
- Sim, mas não só. Entendo que ser racional possa ser uma característica atribuída a todo ente que possuir sistema nervoso que implique na possibilidade de atos cognitivos. De modo bastante simples, cães, gatos, porcos, homens, morcegos, etc."
Foi uma resposta interessante, mas fiquei curioso sobre a definição de "razão" que está usando pra embasar esse desenvolvimento. A definição se revela um tanto obscura, quando penso em criar uma, mas intuitivamente eu tinha como certo que gatos, cães e outros animais, apesar de super complexos, não possuem o atributo da razão. Poderia explicar melhor isso?
Felipe,
ExcluirNa resposta do Gustavo às mesmas arguições do Jean e,na minhas ponderações ao dito pelo Gustavo, creio que terás sua resposta, OK!
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirJean, este tipo de pergunta dá arritmia cardíaca em um filósofo, mas vamos lá... Bem recentemente escrevi um artigo, ainda não publicado, sobre isso. É um artigo de certo modo comemorativo dos 10 anos do lançamento do livro "Razão Mínima". O fato é que o conceito tradicional de razão encontrou adversários não só no que se convencionou a chamar de "filosofia continental" como também entre os próprios filósofos da ciência, como Kuhn e Feyerabend. Além disso, sou defensor de que os desafios céticos, como proposto pelos pirrônicos, não só não foram respondidos, como não podem ser respondidos. O que eu queria saber, então, era como salvar algo da razão tendo em vista os desafios céticos.
ResponderExcluirPois bem, defendi o que poderia chamar aqui de uma razão comunitária. Um argumento ou uma ação é "racional" quando julgamos que é possível chegar na conclusão (ou consequência) esperada a partir das suas premissas (ou causas). Ou seja, digo que uma pessoa age racionalmente se sou capaz de entender que fazendo isso ela vai de fato chegar onde pretende. Do mesmo modo, um argumento é racional se julgo que ele de fato chega na sua conclusão através das premissas.
Acho que fica mais claro se pensarmos que aqui acontece mais ou menos o mesmo que acontece na Postura Intencional de Dennett. Ao invés de procurarmos intencionalidade dentro do indivíduo, como uma propriedade dele, passamos a entendê-la como uma propriedade atribuída: julgo que este ser é um sujeito intencional se entendo que assim é o melhor modo de descrever e, principalmente, PREVER o comportamento dele. Do mesmo modo, um argumento (ou ação) racional é aquela que eu consigo prever sua conclusão (ou consequência) a partir das suas premissas explícitas (ou ações) e partir de um conjunto de regras.
Entendo que para um racionalista estrito e metafísico ainda há muita "subjetividade" neste conceito de razão. Isso é dado pelo simples fato de que algumas pessoas podem julgar certos argumentos racionais e outros não. Mas acredito que este é o único conceito de razão capaz de sobreviver aos desafios céticos, pois mesmo um cético mais radical pode dizer que entende como esta conclusão deriva da premissa (sem se comprometer com a veracidade do que está sendo dito).
Por último cabe notar que aqueles princípios lógicos mais fundamentais, como da identidade e da não contradição, seriam fundamentais porque se não forem seguidos tornam impossível prever as conclusões.
Jean e Gustavo,
ResponderExcluirO interessante disto que o Gustavo está apresentando é que não é incompatível ao que apresentei anteriormente sobre a mesma questão, OK! Note, o Gustavo apresenta um excelente conceito para o uso do termo "razão", "racionalidade". Assim posto, ele é eficiente e não tão problemático devido ao fato que não está supondo em nenhum momento de que tais instâncias (razão, racionalidade) possuam qualquer tipo de ontologia especial.
Desse modo, com o termo clarificado e, ao meu ver, altamente funcional, se torna eficaz para ser utilizado no tratamento de outros problemas, como em nosso caso, a discussão acerca da consciência. O que eu gosto muito desta perspectiva é que, tendo isso posto, eu posso dizer coisas como: "O robô que estamos construindo faz uso da razão"; note, apenas, de modo econômico, estou querendo dizer que ele possui elementos que o possibilitam argumentar/agir a partir de premissas/ações cuja previsão das consequências sejam possíveis (e/ou necessárias).
PS: pena mesmo que não dá de curtir por aqui! ;)
Perfeito, Nivaldo. Se podemos eficientemente explicar a ação de um robô presumindo apenas que ele tem um certo conjunto de premissas e a partir destas chega a uma conclusão previsível (que nós chegaríamos também), então ele agiu racionalmente segundo este critério (o que mais seria "agir racionalmente" que não isso??)
ResponderExcluirDigo mais, se estas premissas envolverem valores, não poderíamos dizer que agiu eticamente também?
Cadê esse tal de CURTI .....
ExcluirSaudações colegas
ResponderExcluirDe modo bastante direto gostaria de dizer que não sou especialista no assunto e tão pouco domino o conhecimento e argumentos aqui expostos. Do mistério ao problema da consciência, I) Entendo que as diversas opiniões acerca deste assunto podem ser validas nessa discussão de acordo com o grau de ignorância do indivíduo.II) Ao considerarmos o problema da consciência está não se limita as várias possibilidades de atribuições nesse contexto, III) se considerarmos essa problematização acerta da consciência torna-se necessário entender sua veracidade, IV) Logo David Chalmers contribui com sua obra A Teoria da Consciência (The Conscious Mind) , está aborda várias temáticas que aqui foram debatidas e postuladas .
Gustavo...
ResponderExcluirParece que estou fazendo uma trajetória oposta a sua. Há pouco tempo eu ainda era um reducionista roxo! Inclusive defendi arduamente a identidade mente-cérebro numa discussão ocorrida há pouco mais de um ano no grupo ‘Neurociência e Filosofia da Mente’. Agora estou me afastando dessa visão, embora não pense que esteja indo em direção ao dualismo nem ao idealismo. Acredito que há algo de sensato quando Searle diz que o problema está em começarmos a contar (monismo, dualismo...). Ou quem sabe, já que começamos a contar, o problema esteja em pararmos a contagem precocemente. Acredito numa ontologia estratificada, numa realidade complexa que admite uma grande variação, quer de tipos de entidades e propriedades, quer de modalidades causais. Isso não só não acarreta o sobrenaturalismo, como é consistente com a cosmovisão da física contemporânea (da física, não do fisicalismo), que inclui em seu bojo ontológico não somente matéria, mas energia, antimatéria, campos, antipartículas, radiação, ‘espaço-tempo’... Muitas dessas entidades nem são matéria e nem podem ser avaliadas em termos de causação eficiente ou atomística, embora tenham capacidades causais.
Campos parecem possuir causação formal (da estrutura para as partículas). Há evidência de sistemas complexos (sistemas biológicos, grupos sociais, etc.) que produzem retrocausação do tipo todo-partes. Em biologia e psicologia, respectivamente, temos a seleção natural e o condicionamento operante, que são outros exemplos de causação não-eficiente. Tratam-se de modos selecionistas de causação. Nenhum desses modos causais é contemplado pelo fisicalismo (se tomarmos o fisicalismo de Kim como paradigmárico).
Simplesmente, parece que o fisicalismo “filosófico” não acompanha o “fisicalismo” científico. Comparemos o fisicalismo nos sécs. XVII, XVIII, XIX e XX. As mudanças são gritantes. Se voltássemos ao século XVIII e falássemos sobre eletromagnetismo a um físico dessa época, certamente ele nos chamaria de dualistas ou de coisa pior (bruxos, místicos...). Se acaso falássemos sobre a clássica experiência quântica da dupla fenda a um físico do inicio do século XX ele certamente nos internaria num sanatório. Popper clarifica essas transformações em nossa ontologia natural ao afirmar que o fisicalismo (científico) é autotranscendente, querendo com isto dizer que por ser sensível a bruscas variações teóricas, ele (o fisicalismo) se restaura de tempos em tempos, de modo a acomodar entidades, propriedades e tipos de interações impensáveis aos fisicalismos de outrora. Isto posto, podemos nos valer do mesmo otimismo dos eliminacionistas, mas agora relacionado ao realismo da consciência. Ora, se o “qualiófobo” pode cultivar essa “fé” e esse otimismo acerca da abolição da consciência, por que o “qualiófilo” não pode cultivar o mesmo otimismo em sentido contrário?
Marcus,
ResponderExcluirApenas me intrometendo em sua discussão com o Gustavo rapidamente, ok! Vejo que um dos principais problemas quando afirmas de acordo com Searle: "Agora estou me afastando dessa visão, embora não pense que esteja indo em direção ao dualismo nem ao idealismo. Acredito que há algo de sensato quando Searle diz que o problema está em começarmos a contar (monismo, dualismo...)."
Note, o problema, na minha crítica ao Searle é justamente esse! Ele aponta para um pluralismo epistemológico, todavia, não resolve a questão que já apresentei em outros momentos aqui nos nossos Diálogos que é a necessidade que ele teria de deixar claro qual seria essa outra base ontológica ao qual tal pluralismo epistêmico se refere. Veja, seguindo o raciocínio: (i) monismo, (ii) dualismo (vou entender aqui substancial e de propriedades), (iii) outras possibilidades que não são nem (i) e nem (ii). Perceba que Searle desloca o problema, mas não o trata. E é justamente isso que muito me incomoda.
(PS: o termo "qualiófofo" é bom demais!!! kkkkk)
Em vista das considerações que fiz acima, acho importante ressaltar o seguinte. Será maravilhoso se o problema (difícil) da consciência puder ser resolvido inteiramente pelo método experimental. Mas isso pode não acontecer, o que não é de se estranhar visto que a maioria dos problemas filosóficos permanece aberta desde que os gregos inventaram a filosofia. Caso seja empiricamente intratável, isso não converte o problema da consciência em pseudoproblema. Sobre isso, reproduzo parcialmente o que eu havia dito no outro grupo...
ResponderExcluirSe seguirmos esse naturalismo a risca, declarando nonsense todos os problemas que não se dissolvem empiricamente ou pior, que não se achatam em nossa doxa cientificista vigente, teremos que jogar fora a filosofia, pois tudo o que ela é, é uma constelação de problemas abertos. Abra-se mão também de boa parte da ciência, quem sabe a física teórica inteira, que não consegue avançar na unificação das quatro forças fundamentais ou dissolver a inconsistência entre seus dois pilares: a relatividade geral e a mecânica quântica. E o que dizer das mais de 90 interpretações do experimento da dupla fenda, todas consistentes com o formalismo matemático e suporte evidencial da mecânica quântica, mas inconsistentes entre si? Tudo isso é pseudoproblema? Do meu ponto de vista não é.
Qual a diferença entre os problemas abertos em filosofia e os abertos nas ciências naturais? A quantidade de conteúdo empírico. É uma diferença de grau. Por serem problemas mais gerais e fundamentais, é compreensível que problemas filosóficos possuam mais conteúdo teórico e menos sensibilidade a testes empíricos de falsificação. Isto não é constrangimento a filosofia, é resultado de seu próprio objeto, que demanda um método prioritariamente analítico-conceitual, embora não precise se alienar da informação empírica. Infelizmente, alguns problemas, por serem demasiado gerais, não podem ser testados como se testa a vacina para a gripe. O que resta é continuar discutindo-os cuidadosamente e de modo especulativo.
Nivaldo, não está se intrometendo, só estou interagindo mais com o Gustavo porque parece um dos poucos que atura esse assunto chato dos qualia, kkk.
ResponderExcluirConcordo contigo que Searle não cumpre o que promete. Ele afirma que irá desbancar o dualismo e o materialismo, mas tudo o que faz é nos deixar uma teoria que se parece muito com um dualismo de propriedades. Mas veja que quando falei em um pluralismo ontológico, não me referia a entidades e propriedades existentes fora do mundo natural. Sobre o pluralismo epistemológico, considero inevitável, afinal, como seria explicar fatos biológicos, ecológicos, comportamentais, históricos e sociais com o vocabulário e esquemas conceptuais da microfísica? Até Dennett rejeita esse tipo de monismo epistêmico, a que chama de “reducionismo ganancioso”. Todavia, talvez não tenha entendido bem o que exatamente você chama de pluralismo epistemológico.
Para deixar mais clara minha posição. Digo que sou um naturalista ontológico, acredito apenas em entidades, propriedades e interações naturais. Mas rejeito o naturalismo epistemológico, isto é, a ideia de que problemas filosóficos só podem ser investigados por métodos consagrados pela ciência empírica. Aliás, esse naturalismo é autofágico, pois não obedece às próprias regras. Por não ser uma tese obtida por métodos empíricos, já que não passa de “filosofia de poltrona”, refuta-se a si mesma.
Enfim, acredito que o foco da divergência entre o eixo eliminacionista-epifenomenalista e o eixo realista, é que para os signatários do primeiro eixo, a reflexão filosófica só pode ser levada a cabo sob a tutela da ciência experimental (e este é o monismo metodológico que rejeito). Do meu ponto de vista, a ciência experimental é no máximo uma valiosa parceira, ela atravessa a filosofia e faz importantes intersecções com ela, mas não a esgota. A filosofia (nossa ciência analítico-conceptual) existe “antes” da ciência experimental, no sentido de que se apropria de questões fundamentais, que mais tarde poderão (ou não) ser contempladas pelo método experimental. E existe também depois da ciência experimental, no sentido de que dá uma continuidade especulativa a problemas que a metodologia experimental não esgota. Assim, a ciência empírica não é a linha de chegada, mas o ponto de partida da especulação filosófica.
Marcus, vamos fazer uma divergência conceitual então: chamemos de materialistas aqueles que acreditam em um monismo simples onde só existe a matéria (seja lá o que for isso) e fisicalistas aqueles que acreditam que as entidades fundamentais (a ontologia fundamental) é a estudada pela disciplina física, podendo, assim, se adaptar conforme a física progride. Pois bem, embora eu goste mais do termo "materialista", deveria dizer que sou fisicalista. Não faria sentido que eu resolvesse defender a inexistência de energia, forças e campos. No entanto, isso me deixa ainda MUITO longe de qualquer tipo de dualismo. Uma coisa são campos, outra coisa são mentes.
ResponderExcluirVolto a pergunta que não quer calar, e ainda não respondida, se um Deus copiar tudo de físico do nosso mundo, mas apenas o que é físico, ele copiará também as propriedades fenomênicas? Se sim, elas são, de alguma forma, físicas. Se não, elas são de algum outro tipo que foge de tudo que você falou sobre a física contemporânea.
Em relação aos seus comentários sobre física: acho tudo muito interessante. Também sou um estudioso amador de física. No entanto, não aceito uma espécie de "maravilhamento" que vejo muito por aí e, em certa medida, vejo na sua fala. De fato a física mudou bastante e, de fato, conta hoje com algumas coisas que vão além da nossa simples concepção, mas tudo muito bem delimitado dentro do arcabouço teórico da física. Não é porque a física mudou muito que eu vou passar a acreditar em mentes imateriais ou ontologias especiais. Uma coisa NADA tem a ver com a outra.
Gustavo...
ResponderExcluirConcordo que experiências conscientes são diferentes de tudo o que a física contemporânea nos diz. Mas campos e mais um monte de outras entidades reconhecidas pela física vigente são diferentes de tudo o que era reconhecido pela física de outros tempos. E isso é suficiente para que o ‘qualiófilo’ funde sua “fé” no futuro da ciência, assim como o seu rival eliminacionista. O irônico é que embora sejam uma espécie de“futurólogos”, os eliminacionistas encontram no simples fato de não poderem conceber um modo de os métodos e teorias científicas atuais darem conta de certos problemas, um subterfúgio para que esses problemas sejam abandonados. O caso é que não podemos imaginar como será a ontologia natural do próximo século nem os métodos empíricos e conceptuais disponíveis, quanto mais como isso será daqui a 5 mil anos. Parece mais razoável deixarmos o problema da consciência em aberto do que abandoná-lo só porque não sabemos resolve-lo agora. Imagine se todo problema para o qual não dispomos de métodos fosse abandonado? A roda ainda estaria por ser inventada.
Agora, me intriga que tenha identificado esse “maravilhamento” em minha fala. Note que em vários posts defendi que o problema da consciência, como qualquer outro problema genuinamente filosófico, pode se lixar para essa confiança histérica e quase profética na ciência empírica. O problema da consciência permanecerá legítimo mesmo que jamais encontre solução definitiva no método experimental. Apenas tentei mostrar que se o eliminacionista pode se escorar na futurologia científica, o realista também pode, e pode mais! Pode mais porque enquanto todos (inclusive eliminacionistas) somos afetados continuamente por ocorrências sensoriais desde o nosso sistema nervoso ter atingido senciência, o que nos dá excelentes razões para não nos deixarmos seduzir pelo canto da sereia dos eliminacionistas, estes, por seu turno, jamais forneceram um único argumento que fosse capaz de dar ao menos uma direção promissora no sentido de provar a inexistência dessa abundante vida sensório-qualitativa que temos e que outros seres também têm. O ponto é esse: se as grandes mudanças da física não são suficientes para termos esperança na resolução desse problema, tampouco dá razões a esperança dos eliminacionistas. Nesse caso, eliminacionistas e realistas estão sentados na mesma paróquia, só que em bancos diferentes.
Aliás, esse deslumbramento cientificista é algo que está muito presente no discurso dos eliminacionistas. São eles que defendem, como seus ancestrais positivistas, que tudo o que não se resolve pelo método empírico deve ser declarado nonsense. Para mim, embora existam argumentos eliminacionistas interessantes e respeitáveis, o eliminacionismo está muito próximo de um culto cientificista.
Sobre a pergunta que não quer calar, acredito tê-la respondido em mais de um post, especialmente naqueles em que falei sobre zumbis. Não que a resposta tenha sido boa... Enfim, para mim, experiências conscientes fazem parte do mundo físico. Agora, há algo de capcioso nesse tipo de pergunta que fez, algo que foi notado por Searle e até mesmo por Dennett numa crítica a Jackson. É que essa pergunta pressupõe que sabemos tudo o que há para se saber sobre os fatos físicos. É presumível que conheçamos uma ínfima parte dos tipos de interações físicas existentes e de um ponto de vista realista, temos de considerar até a assustadora possibilidade de que a maioria dos fenômenos naturais jamais venha a ser conhecida por nós. Isso coloca em cheque a ideia mesma de que ‘físico’ signifique aquilo que pode ser conhecido e também a ideia de que o físico se resuma aquilo que pode ser acessado em terceira pessoa ou esgotado pelo método experimental. O ponto é que ninguém está em condições de dizer que a consciência, tal como a definimos, está apartada do mundo físico nem que não exista.
ResponderExcluirContinuando..., diria que se conhecêssemos integralmente o mundo físico provavelmente diríamos que Deus (ou algo equivalente) não poderia ter criado esse mundo sem ter criado consciência. Só podemos conceber que a consciência não se segue das leis físicas porque conhecemos incompletamente e muito mal as leis físicas. Assim, por nosso conhecimento do mundo natural estar repleto de lacunas, podemos apartar coisas em nossa imaginação, que não podem ser apartadas na realidade. Pensar que a consciência é um elemento supérfluo ao mundo físico é no meu entender análogo a pensar que Deus pode se dar ao luxo de criar um elétron e depois, se tiver vontade, criar sua carga. Que pode fazer com que as partículas interajam como interagem sem que tenham as cargas que têm ou que possa criar as densidades dos corpos sem que haja interação entre a massa e o volume desses corpos.
Isso resolve o problema da consciência? Não, mas dá um fôlego a quem considera precoce declarar que a consciência não existe ou que é impossível acomodá-la no mundo das interações físicas. No atual panorama epistêmico -- tão desfavorável a eliminacionistas quanto a realistas -– as intuições cumprem um papel importante. Considerando que nossas crenças fenomenais são talvez as mais fortemente intuitivas que temos, digo que são preferíveis a um fisicalismo que não as acomode. Se o fisicalismo vigente é insensível à consciência, pior pra ele.
O que você acharia se eu resumisse nossa diferença da seguinte forma:
ResponderExcluirVocê acha que uma ciência futura terá que acomodar de algum modo a existência das qualia, pois até onde podemos perceber, nossa intuição mais forte é de que elas existem
Eu acho que uma ciência futura terá que acomodar de algum modo nossas intuições sobre as qualia, ou seja, terá que de algum modo explicar o motivo pelo qual achamos que ela existe.
Quero com isso ressaltar que não discordo da força da intuição de que as qualia existem. Ora, para mim as maçãs também são vermelhas. Mas você acha que devemos explicar AS QUALIA, já eu acho que devemos explicar A INTUIÇÃO sobre as qualia.
ResponderExcluirGustavo, Jean e Marcus,
ExcluirEu já disse e reafirmo, antes de qualquer questão teremos que nos posicionar acerca da possibilidade ou não de discutir/investigar acerca de eventos privados. Como já apresentei de modo mais detalhado, minha resposta é NÃO! Logo, se esses tais qualias existem e se forem eventos de primeira pessoa (somente). Não é possível tratá-los. E terminamos aqui nossa discussão, OK!
Por isso que tendo tanto a concordar com o Gustavo no aspecto de que, seja lá o que for essa tal intuição E SE ela for um evento público, logo, creio que já é um evento passível de tratamento, caso contrário, também não. Entretanto, creio que o Gustavo está apontando para a possibilidade que "intuições acerca de" parecem ser eventos públicos, talvez ainda não conhecidos o suficiente, e que são passíveis de, ao longo do tempo, conhecermos melhor suas propriedades.
Bem Gustavo...
ResponderExcluirTalvez o motivo que nos leva a crer tão fortemente que os qualia existam seja precisamente que eles existem!
Afinal, uma boa e simples explicação de porque temos uma forte e justificada crença na existência do sol é que o sol existe e que estamos diariamente em contato com ele. Pelo que sei não são muitos os que defendem que devamos ser eliminacionistas relativamente ao sol. Por que então devemos sê-lo relativamente à consciência?
Você mesmo admite ter uma forte intuição sobre a experiência consciente. Se é assim por que pensar que essa intuição está errada? Se não existe experiência consciente, o que explica as maçãs parecerem vermelhas a você?
*Por vezes prefiro usar ‘experiência consciente’ a ‘qualia’, pois essa última expressão, de tão exótica, nos pode fazer esquecer sobre o que realmente estamos falando e o que realmente os eliminacionistas estão negando: a experiência consciente.
Marcus,
ExcluirPrimeiro eu gostaria de dizer que enfrentar esse papel de debatedor e interlocutor em uma questão tão complexa não é uma tarefa nada fácil. Entretanto, sem ela, creio que nossos DIÁLOGOS já teriam findado.
Agora chega de gentileza (risos!), vou tentar pontuar algumas questões desta sua atual postagem:
a) quando afirmas: "Talvez o motivo que nos leva a crer tão fortemente que os qualia existam seja precisamente que eles existem!" Neste caso, sua inferência é absolutamente possível, entretanto, também sua negação se daria nos mesmos termos. Preciso dos motivos/justificativas bem claras e definidas, OK!
Note, na continuação você diz: "Afinal, uma boa e simples explicação de porque temos uma forte e justificada crença na existência do sol é que o sol existe e que estamos diariamente em contato com ele." - aqui não posso dizer que tenho uma justificava ainda boa (preciso, pelo menos para mim seria necessário, saber e ter mais fortes critérios para isso (critérios de argumentos já ajudariam muito), preciso saber também do argumento que me leva a ter nessa explicação "talvez" boa (e certamente simples (por favor, não no sentido de simplório, OK!, apenas no sentido de que, por ela partir do princípio "de que nosso contato com o sol" é o critério de justificação " boa" e "simples", só!)) os elementos justificacionais que seriam suficientes para tal empreendimento.
Em continuum, "Afinal, uma boa e simples explicação de porque temos uma forte e justificada crença na existência do sol é que o sol existe e que estamos diariamente em contato com ele.", bom, pelo que percebi aqui, quantidade de pessoas que defendem a postura não-eliminacionista ser maior do que os que defendem a postura eliminacionista acerca da questão "do sol" é um bom critério, se sim, neste caso divergimos muito! Não faço a menor ideia da quantidade de pessoas que optam por esta ou aquela, e, mesmo se soubesse, não creio que este fator mudaria e/ou justificaria a questão.
Quanto á implicação disto ser aplicável a questão da consciência (daí fiquei perdido, preciso de ajuda!). Todavia, se queres dizer que o motivo que nos leva a crer fortemente que a consciência exista (enquanto qualia) seja precisamente pelo motivo dela existir, E, isso se justifica pelo contato (diário) que muitos/todos tem com ela, neste caso, também discordo. Ou melhor, preciso suspender o juízo tendo em vista as outras questões que preciso antes esclarecer, ok!
Não quero me meter ainda mais em sua discussão com o Gustavo (ok, sei que estou mentindo agora!kkk) logo, quando ao que se refere ao termo intuição, não vou discutir isso (ainda!).
* quanto ao uso do termo "qualia" ou experiência consciente, eu prefiro manter o termo qualia, pois creio que experiência consciente, mesmo com grande aproximação ao que estamos discutindo, talvez possa causar ainda mais distorções. Todavia, desde que clareado o conceito do termo usado, sem problemas, OK!
Eu prefiro qualia - pelo fato de me parecer um termo "mais neutro". "Experiência consciente", soa comprometedor - qualificar uma experiência como consciente, parece demarcar um tipo específico de experiência, em particular, por contraste; no sentido de haverem, então, experiências "não-conscientes ou inconscientes". Se o nosso problema até aqui - e aí concordo com o Gustavo - já é espinhoso ao tentar explicar a nossa "intuição" sobre essa "experiência consciente", que dirá, sobre alguma que não se tenha a consciência. Mas esclareço: por favor, eu não disse que houve a afirmação de uma "experiência não consciente". Eu só disse que trocar qualia por "experiência consciente" pode gerar consequências "interpretativas" complicadas.
ResponderExcluirMais que isso. Tenho a impressão - se minha leitura não for curta demais nisso, que qualia demarcaria algo mais particular (se é que dá pra usar a expressão "subjetiva") de experiências conscientes possíveis (comuns) - a dor de queimadura, ao tocar numa mesma superfície aquecida, pode ser uma experiência consciente que qualquer um de nós pode sentir. Mas, "a minha dor é mais dolorida" - o que evoca uma qualia. Ou seja, a particularização de uma experiência consciente. Sei lá - é só uma intuição.
Jean,
ExcluirParticularmente, o qualia não demarca nada que implique a existência de algum estado subjetivo qualitativo cuja realidade não esteja presente nos demais elementos que compõe o universo. E se concordares comigo, creio que podemos descartar os qualia, ou, aceitarmos que eles não possuem ontologia especial alguma.
Quanto ao uso da expressão "experiência consciente" o que me preocupa é que muitas vezes pesquisadores partem do princípio que (i) existem uma coisa que é a consciência e que ela tem experiências; (ii) e que exitem outras coisas/momentos "não-conscientes" em que essa não consciência tenha outras experiências. Note, o problema, neste caso, está na própria apresentação do problema.
ExcluirVou tentar ser mais claro. Veja Jean, muitos partem do pressuposto (dado, não tratado e tido como verdade) de que exista uma tal consciência que tenha tais e tais propriedades. Que estas propriedades são subjetivas e também não-orgânicas/materiais. Depois disso, vem outras consequências como por exemplo: "A pessoa X possui em sua consciência a sensação Y", e mais, "tal sensação Y causa tais e tais eventos do tipo-A, e, somente alterando o estado da sensação Y para um estado de sensação Z que iremos propiciar, em nível subjetivo a alteração dos eventos do tipo-A para o tipo-B que, por sua vez, modificarão a consciência da pessoa.
Note, por mais cuidado que eu tenha sido do encadeamento do problema acima apresentado, me parece bastante óbvio que eu esteja apenas criando uma cadeia correta de transmissão de erros (por vezes graves em diversas outras instâncias).
Marcus,
ResponderExcluirComo dito anteriormente, não estou negando que sinto frio (no sentido que uma máquina e um zumbi poderiam sentir também), apenas que esta sensação exija uma nova ontologia para ser explicada. As maçãs são vermelhas, mas este vermelho não é uma propriedade especial particular e individual, acessível só por mim. O vermelho é apenas a relação entre o comprimento de uma onda de luz, meu sistema sensório e minha habilidade de julgamento (julgamento de que vejo uma maçã vermelha).
Creio que um dos motivos principais para eu acreditar que o Sol existe é que esta é uma crença compartilhada. Não só vejo o Sol, mas vejo que outras pessoas também o veem e agem a partir desta visão. Se fosse algo que só eu vejo e que ninguém mais pode ver, suspeitaria da sua existência, para dizer o mínimo. Se você algum dia ver um duende pode ser que acredite nele, mas se com o tempo perceber que só você o vê, talvez comece a suspeitar que ele não exista. Se não suspeitar é provável que seja um esquizofrênico (um dos sintomas da esquizofrenia, como você deve saber melhor do que eu, é a perda deste senso crítico em relação a suas ilusões paranóicas).
Gustavo...
ResponderExcluirVocê está fugindo a questão. O que eu disse sobre a crença no sol é absolutamente compatível com o que você diz sobre a necessidade de essa crença ser compartilhada. Não é razoável crer no sol se ninguém mais pode vê-lo, mas tampouco seria razoável acreditar se ninguém pudesse vê-lo. Se por acaso todos compartilhássemos a crença em demônios passaríamos a vê-los apenas por isso? Lembre-se de que na idade média todos acreditavam nesses seres. Assim, o compartilhamento social é uma condição necessária à plausibilidade de uma crença, mas não é suficiente.
Além do mais é claro que uma pessoa não vê sozinha o sol nem o vermelho das maçãs. Todos compartilhamos essas visões, mas somente no sentido de estarmos em relações semelhantes com esses objetos (temos um aparato sensorial similar e nos expomos a esses objetos na presença de luz). Mas uma coisa é “compartilhar” uma experiência nesses termos, outra radicalmente diferente é sugerir que minha experiência de ver o vermelho é na verdade uma experiência coletiva, em terceira pessoa.
ResponderExcluirOutro problema que vejo é nessa caracterização exclusivamente relacional da experiência. Essa metafísica que você está invocando parece-me profundamente deficitária. Trata-se da mesma metafísica de alguns behavioristas contemporâneos chamados vulgarmente de “relacionistas radicais” e que tem origem num erro comum quando falamos em relações: muitos pensam que os elementos da relação são a própria relação, quando na verdade uma relação depende que seus ‘relata’ tenham certa independência dessa relação para que esta seja estabelecida. Os córtices sensoriais e os comprimentos de onda não são a relação, apenas entram numa relação, e continuam existindo depois dessa relação ser rompida. Igualmente, essa relação só passa a existir porque seus ‘relata’ já existiam antes dela. Quanto a experiência de cor, ela também não é a relação que a dá origem, é apenas produto dessa relação. E o curioso é que essa experiência também pode permanecer mesmo que a relação que a deu origem seja rompida, visto que podemos ter experiências de cores na ausência de qualquer comprimento de onda, basta fecharmos os olhos e imaginar objetos coloridos.
É defensável, contudo, que só podemos imaginar cores porque no passado estabelecemos alguma relação visual com comprimentos de onda. Mas isso ainda não converte uma experiência de cor na relação que a deu origem. Para dizer a verdade, sua caracterização relacional dos qualia é semelhante a dizer que porque bebês tiveram origem numa relação entre seus progenitores, que eles são essa relação. Mas bebês não são relações... Apenas dependeram de uma para existir.
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ResponderExcluirMarcus, acho que houve uma confusão aqui. Meu argumento é que creio no Sol não só porque eu o vejo, mas porque outros o veem também (o que assumo ser O MESMO Sol). No caso das qualia, estas, por definição, são privadas. Eu vejo o vermelho e ninguém mais vê o vermelho que eu vejo. É uma experiência privada, bem diferente da experiência compartilhada de ver o Sol (como foi seu exemplo).
ResponderExcluirPodemos, de fato, julgar que vemos cores sem o seu respectivo comprimento de onda, mas não podemos fazer isso sem a respectiva excitação do córtex sensório. Se pudéssemos, aí sim veria uma dificuldade com o materialismo (ou fisicalismo)
E falando em física, já que você gosta do assunto, acho que deve se interessar pela física contemporânea onde as relações são prioritárias em relação aos entes. Na verdade, a parte mais interessante da física atual é justamente que os entes foram perdendo seu papel central e as relações foram tomando seu lugar. Pelo menos é assim que eu a entendo.
“Meu argumento é que creio no Sol não só porque eu o vejo, mas porque outros o veem também”
ResponderExcluirMas eu compreendi isso perfeitamente (ou não??). Só que você fez parecer que isso era uma objeção ao meu argumento, quando na verdade é perfeitamente compatível com ele. Cremos no sol porque todos os outros também dizem vê-lo, mas também cremos porque o vemos pessoalmente. Nenhuma dessas condições isoladas justifica a crença no sol, são ambas indispensáveis.
“No caso das qualia, estas, por definição, são privadas. Eu vejo o vermelho e ninguém mais vê o vermelho que eu vejo. É uma experiência privada, bem diferente da experiência compartilhada de ver o Sol”
Mas nossas experiências com o sol são tão privadas quanto nossas experiências com cores e tudo o mais. Ver o vermelho não é mais privado do que ver o amarelo do sol, bem como sua forma, brilho ofuscante, etc. São todas experiências privadas. O que compartilhados, e isso é suficiente, são algumas relações cognitivas: o mesmo tipo de sistema sensorial, a exposição das retinas a objetos na presença de luz, uma gramática, etc. Isso justifica nossa crença de que vemos o mesmo sol, a mesma maçã, etc., isto é; de que nossas experiências privadas são causadas por condições externas compartilhadas.
Também acredito que não podemos ter experiências com cores sem a excitação de nossos córtices sensitivos. Mas achei supérfluo dizer isso, pois o que pretendia era mostrar que há uma diferença entre relações e os elementos que ganham e perdem propriedades quando entram nessas relações.
Sobre a física priorizar relações em detrimento dos entes, acho que isso tem que ser avaliado com cuidado. Em primeiro lugar, priorizar relações não significa aniquilar os “participantes”. Aliás, como seria imaginar relações sem os ‘relata’... Relações entre vazios? O que é uma relação em si? Acredito que a física não endossa esse tipo de coisa pois parece ser algo inimaginável. Além do mais, a teoria mais prestigiada pela física, a mecânica quântica, pelo pouco que a conheço guarda em sua ontologia partículas, ondas e campos, que são entidades que não parecem se reduzir a relações. Por outro lado, acredito que a física relativista também não diga algo como “existem relações”. Enfim, talvez seria interessante que alguém com mais proficiência em física nos auxiliasse aqui.
ResponderExcluirEste comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirAinda acho que não estamos nos entendendo. O Sol é uma experiência compartilhada. Vemos o MESMO sol. O vermelho é uma experiência PRIVADA. Não vejo o vermelho que você vê. Na verdade, mais do que isso, NUNCA conseguiria ver o vermelho que você vê. Isso seria, em princípio, impossível. Nada disso acontece em relação ao sol (a não ser que queira entrar em um solipsismo/idealismo e dizer que não vemos o mesmo sol...)
ResponderExcluirQuanto à física, acredito também que o ideal seria ter alguém com mais propriedade falando aqui. Ela foge muito da minha (nossa) área. Mas já vi que entendo a física quântica diferente de você. Não creio que a física quântica acredite em elétrons e campos como "coisas" que podem ser entendidas autonomamente, independente de suas relações. A noção tradicional de partícula (que acredito ser Newtoniana) até onde sei, sucumbiu. Me parece que o mesmo aconteceu com a noção de tempo e espaço na relatividade. Mas preferia não prolongar o debate em uma área que não domino. Na verdade, nem mesmo defendi que só existem relações. Embora defenda sim que sua experiência de vermelho não seja um ente.
O Sol é o mesmo. Todavia, o amarelo que eu vejo e o tal do "amarelo" que você vê, são apostas que fazemos em relação ao "algo" privado. Se um dia tivermos tecnologia (ou magia, ou qualquer intervenção divina!) que torne o amarelo que eu vejo acerca do sol algo partilhado, neste dia então, este evento se tornará público, simples assim. Nada mais.
ResponderExcluirGustavo, acerca de discussões físicas também não me sito muito a vontade. Por isso, gosto muito de dizer que minha opção por uma ontologia monista do tipo materialista/fisicalista parte do princípio que existe apenas uma ontologia e que esta tenha corporeidade (sei lá qual e em que instância).
Gustavo...
ResponderExcluirAcho que a coisa é muito fácil de perceber. Vemos o mesmo sol, isso é sensato. Mas não compartilhamos as características privadas e sensoriais pelas quais vemos o sol e sem as quais seria impossível vermos, e crermos que vemos o sol. Tenho a impressão de que está confundindo o objeto acessado com a forma privada de acessá-lo; com as afetações sensoriais pelas quais entramos em contato com esse objeto. Que diferença há, em termos de privacidade, entre essas características sensoriais privadas ocasionadas por nosso contato com o sol e p ver o vermelho?
Admitir que algumas características subjetivas e privadas participam de nossa crença coletiva no sol, não significa que não podemos justificar nossa crença de que nesse sol enquanto instância objetiva que nos causa essas impressões subjetivas, impressões que são similares de individuo para indivíduo. Só tropeçamos no solipsismo se partirmos de uma perspectiva desmesurada e sobre-humana da justificação, algo na linha dos pirrônicos, cartesianos e afins.
Sobre a física, também não entendo que partículas e campos possam ser compreendidos independente das relações que estabelecem. Mas tampouco podem ser compreendidas se forem reduzidas a relações, acredito. Nem sequer disse algo contra a ideia de que relações tem alguma prioridade na identificação de uma entidade física e de suas propriedades. O que recuso o “relacionismo”. Acho que fui claro a esse respeito. Sobre experiências de vermelho e demais, não há necessidade de dizer que sejam um ‘ente’, no sentido substancial, do termo. Estamos falando em experiências, em uma perspectiva, um ponto de vista, “afetação sensória”, etc. Trata-se de um modo de relacionar, ou interagir com a realidade, embora não seja a relação em si. Talvez possamos dizer também que são ocorrências ou quem sabe estados, enfim... A ontologia disso está em aberto, o que não é legítimo, a meu ver, é negar que isso exista.
Uma coisa me deixou intrigado nisso que disse: “não vejo o vermelho que você vê. Na verdade, mais do que isso, NUNCA conseguiria ver o vermelho que você vê. Isso seria, em princípio, impossível.”
ResponderExcluirAcho que você acabou aceitando o problema dos qualia pela porta dos fundos.
Nivaldo,
ResponderExcluirVocê continua pressupondo, circularmente, que experiências sensórias são “apostas”. Também continua pressupondo gratuitamente que experiências em primeira pessoa possam vir a se transformar, sabe-se lá como, em experiências em terceira pessoa. Não sei se notou, mas até o Gustavo admite que o vermelho que alguém vê, nunca pode ser o vermelho que outra pessoa vê. Aliás, lhe propus uma questão (extensiva ao Gustavo), num post bem mais acima, sobre se é realmente possível imaginar uma situação como essa que propõe. Veja, se ninguém conseguir imaginar pelo menos uma situação que torne minimamente inteligível dizer que outra pessoa (um terceiro) possa ter exatamente o seu ponto de vista sem estar no seu ponto de vista, então é porque não faz mesmo sentido a ideia de transformar uma experiência de primeira pessoa numa de terceira e portanto, fica-se por justificar a ideia de que a barreira dos qualia possa ser rompida...ainda que num futuro distante.
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ResponderExcluirMarcus,
ResponderExcluirCuidado com algumas conclusões:
1) Não sei de onde veio a circularidade em relação às experiências sensoriais, nem qual a relação disso com as "apostas". O que quis dizer no post acima acerca da "aposta" era em relação àquilo que você designa como sendo o amarelo do sol para você em relação ao amarelo do sol para mim. Neste sentido, até hoje, creio que não temos nada além de uma "aposta" em crer que o amarela que você relata acerca de ser um componente do sol venha a ser igual e/ou semelhante àquele amarelo que entendo ser um componente do sol para mim, neste nível de comunicação, o que temos, é uma "aposta". Só isso. Não tenho como traduzir o nível privado, enquanto privado, como sendo público. E também disse, mesmo não fazendo a menor ideia de que tal tradução venha a ocorrer e muito menos que isso já ocorra, que, a comunicação acerca deste tal amarelo implique numa identidade entre tua experiência privada e a minha. Entretanto, disse também que, SE um dia algo privado tornar-se público, neste caso, poderei fazer ciência. E isto está coerente com tudo o que já disse. Não estou dizendo de modo algum que isso vai ocorrer, nem SE ocorrer, como ocorrerá. Pelo menos eu não consigo perceber que sejam impossível supor que um dia isso possa ocorrer. A suposição me parece aceitável. Note, eu posso supor que "1+1=2", posso supor que "1+1=3", posso supor que Deus exista e que em sua infinita competência resolva a questão de como tornar algo privado em público. Note, as suposições são sempre possíveis (todavia, elas podem não se concretizar em tempo algum, todavia, isso por sua vez, também seria uma suposição). O que eu não posso supor é que algo que AGORA seja privado, seja algo PÚBLICO também (creio que o Princípio da Não-Contradição do Aristóteles me ajuda muito nisso, mesmo eu não sendo muito hábil em lógica, ok!).
E, quando afirmas:
ResponderExcluir"Veja, se ninguém conseguir imaginar pelo menos uma situação que torne minimamente inteligível dizer que outra pessoa (um terceiro) possa ter exatamente o seu ponto de vista sem estar no seu ponto de vista, então é porque não faz mesmo sentido a ideia de transformar uma experiência de primeira pessoa numa de terceira e portanto, fica-se por justificar a ideia de que a barreira dos qualia possa ser rompida...ainda que num futuro distante "
Se eu entendi (por favor, nesta questão ou poderei cometer equívocos pois não sei se, de fato, compreendi bem o que quiseste dizer, OK!) o que quiseste dizer:
a) O critério adotado de que "se ninguém conseguir imaginar..." não vejo como algo que implique necessariamente que " algo venha ou não venha a fazer sentido" pelo simples fato de que eu poderia contra-argumentar dizendo que "A comunidade dos sujeitos epistêmicos S no tempo X1 não conseguia imaginar Z, todavia, no tempo X2, a comunidade dos sujeitos epistêmicos S conseguir imaginar Z". Não é devido ao fato de que algo não possa ser minimamente imaginado agora que isso não possa se dar em outro tempo. Neste caso é possível que (mesmo que em muitos casos venhamos a ter ótimas razões para crer que isso não se dê, OK!).
b) Note, na continuação, a base do seu contra-argumento é que é necessário uma situação pelo menos em que eu e você tenhamos a mesma experiência em nível de primeira pessoa (se for isso que quiseste dizer e aqui está minha preocupação em ter entendido mal, ok!): Se isso ocorrer vamos ter alguns problemas para tratar:
a) sempre teremos que resolver antes esta questão: é um evento privado ou não. Se for em nível de primeira pessoa, logo, privado, é possível que, num futuro venhamos a criar algum dispositivo que permita que eu e você venhamos a sair de nossa singularidade privada, neste caso (creio praticamente impossível, mais, posso supor até aqui, OK!): (i) Não teríamos mais as singularidades "eu" e "você"; (ii) SE o evento continuar em nível privado de primeira pessoa, neste caso, não seria possível discutirmos/comunicar o que esta ocorrendo, ora, seria um evento privado e implicaria em um erro básico de contradição; (iii) SE o evento não for privado mais sim público, neste caso, seria passível de verificação/análise/investigação; (iv) em nenhum dos casos eu teria que assumir a existência de qualquer qualia; (v) continuo não tendo que assumir nenhum tipo de dualismo; (vi) e o termo "amarelo" (agora completamente dentro da perspectiva que defendo) continuaria ser um termo útil para nos auxiliar no processo comunicacional acerca deste complexo evento que é partícipe do elemento Sol.
por fim:
ResponderExcluirem sua fala: " Não sei se notou, mas até o Gustavo admite que o vermelho que alguém vê, nunca pode ser o vermelho que outra pessoa vê."
Não creio que o Gustavo esteja assumindo em nenhum momento que exista o qualia-vermelho! Entendo que ele apenas apontou para a necessidade (também lógica) de que "SE o vermelho que você trata é um evento que se dá em nível de primeira pessoa (você no caso), E, o vermelho que o Gustavo trata também só se dá em nível de primeira pessoa (agora ele, no mesmo caso), logo, não tenho como saber se "esse-seu-vermelho" e "esse-vermelho-dele" são os mesmos." Mas isso NÃO implica que ele esteja assumindo:
a) Existência de qualia;
b) Dualismos;
c) "o Nunca pode ver" que você atribui ao Gustavo, a meu ver, foi claramente em relação a questão de que se são dois eventos privados, logo, NUNCA um poderá ver (enquanto estiverem nesta condição) o vermelho do outro.
estes dados, para este caso, não entraram diretamente no argumento, logo, me parece, que não foram tratados, apenas isso, agora, OK!
Nivaldo, tirei conclusões baseadas nos posts que me endereçou. Normalmente me tem dito sobre a experiência não ser real, mas somente um modelo ou uma “aposta”. Será que o entendi mal?
ResponderExcluirSobre a aposta de o amarelo do sol ser similar a experiência de todos nós, parece uma boa aposta. Num sentido trivial, até a crença de que há um chão para pisarmos é uma aposta. Mas se tivermos que submeter todas as nossas apostas, mesmo as mais intuitivas e bem justificadas, ao escrutínio de um ceticismo hiperbólico, então nada de filosoficamente interessante pode sair daí. Como já havia dito em outra discussão, precisamos de boas razões para colocar em suspensão certos juízos e pressupostos básicos, caso contrário nossa dúvida será gratuita e irracional.
De fato, se algo nos parece ininteligível a ponto de não fazer nenhum sentido atualmente, isso não significa rigorosamente que não possa vir a fazer algum sentido um dia. Só que quem defende essa possibilidade tem o ônus da prova, foi isso que argumentei. Isto é, é quem defende algo inevidente (para dizer o mínimo) é que precisa apresentar, nem que seja por meio de alguma experiência imaginativa, razões para pensarmos que esse algo possa ser o caso. Do contrário, corremos o risco de trivializar o discurso das possibilidades.
Se eu disser que é possível que um dia poderemos desenhar um quadrado de sete lados ou que poderemos descobrir que na verdade 2 e 2 são 5 em vez de 4, mas não apontar nenhuma condição ou meio inteligível de isso ser possível, então estarei cogitando possibilidades a esmo. Afirmar que algo pode ser o caso somente porque temos liberdade para fazer isso é tão gratuito quanto duvidar de algo apenas porque temos liberdade para fazê-lo. Ocorre que em ciência e filosofia, temos que ter razões ou justificativas mínimas, seja para sustentar uma afirmação, seja para colocar algo em dúvida, seja considerar uma possibilidade.
ResponderExcluirAgora, a razão por que considero ininteligível a ideia de terceirização da experiência privada, é que isto me parece uma contradição em termos. Pensar que algo que existe privadamente possa ser compartilhado e permanecer privado depois disso é como pensar que você pode convidar uma multidão para o seu quarto para que todos compartilhem sua solidão junto com você. Isso nem chega a ser uma possibilidade conceitual, é apenas uma ilusão gramatical.
Enfim, querer publicizar a experiência privada para então contempla-la em terceira pessoa, equivale a situação em que, estando eu ao lado direito de uma escultura e querendo apreciá-la pelo lado esquerdo, tento “transportar” o lado esquerdo para o lado direito. Ou seja, quero permanecer do lado direito e ver como se estivesse no lado direito..., quero contemplar uma perspectiva sem me colocar realmente nela. Mas a perspectiva se perde no processo de transferência.
Por fim, se o Gustavo está reconhecendo (e isso me parece claro) a privacidade típica da experiência em privada, então parece estar de fato admitindo a realidade dos qualia bem como sua condição típica de existência, isto é, em primeira pessoa.
Correções:
ResponderExcluir- quero permanecer do lado direito e ver como se estivesse do lado esquerdo*
- a privacidade típica da experiência sensorial*
Desculpem pela demora em minha resposta. Meu semestre começou e serei forçado a demorar mais e responder mais taquigraficamente.
ResponderExcluirMarcus, quando falei da privacidade do vermelho estava me referindo ao SEU argumento de que ele era tão óbvio quanto o Sol. Respondi, então, que o Sol é algo compartilhado, segundo você (algo que eu concordo), mas o vermelho não, também segundo você (algo que eu acho problemático). Deste modo, esta correlação era sem sentido.
Sobre o debate entre você e o Nivaldo, gostaria de mencionar duas coisas:
1- Será que nunca poderemos realmente compartilhar as qualia do outro? Bem, em um certo sentido (que abarcarei melhor no segundo ponto) não é possível, pois elas são, por definição, "do outro". No entanto, se entendermos como esta sensação se dá (sua relação física e neurológica), não poderíamos estimular outro córtex e simular a mesma sensação em outra pessoa (em um futuro com uma neurociência mais avançada, é claro)? Vamos lembrar daquele meu exemplo do robô que sente frio: se eu entendo todo o processo que ele passa entre o estímulo de temperatura e o comportamento de sentir frio e simulá-lo em outro computador, não poderia dizer que eles sentem, em um sentido bem claro, o MESMO frio? Não poderia fazer com que um robô seja programado para ver o mesmo vermelho que outro? E se puder alterar a física de cérebros, não poderia fazer duas pessoas sentirem a mesma sensação? Não poderia saber como é ser um morcego? Não vejo motivos para não conseguir, a não ser o que falarei no segundo ponto
2- Acho que temos que separar a questão da privacidade da questão da indexicalidade. A primeira é a questão Nageliana, do "como é ser X", já a segunda me parece uma questão mais de linguagem. Ninguém pode ter a MINHA experiência porque ela é, por definição, minha. Se outra pessoa a tiver, não serei eu, então ela não é minha (é claro que aqui há o problema do "eu". E se a outra pessoa for um gêmeo idêntico para o qual foram transplantados todas as minhas memórias e experiências ou coisa parecida? Não entrarei neste tema aqui). Do mesmo modo a Pedra da Gávea não pode ser o Pão de Açúcar simplesmente porque só o Pão de Açúcar pode ser ele mesmo. Podemos lapidar a Padra da Gávea e colocá-la no lugar do Pão de Açúcar, mas não será ele, pois só ele pode ser ele. Mas isso, de forma alguma, quer dizer que exista algo COMO É SER o Pão de Açúcar, que ele tenha algum tipo de privacidade interior. É uma simples tautologia de que só ele pode ser ele. Não significa nada mais do que isso. Mas quando estamos falando da privacidade de uma perspectiva não é a esta simples questão indexical a qual estamos nos referindo e sim a questão de que existe um modo de ver o mundo que, em tese, não pode ser acessado por outro. Ou seja, a questão aqui não é que só eu posso ser eu (ou que só o morcego pode ser este morcego), mas que eu tenho uma perspectiva particular que não pode ser compartilhada. Ou melhor, que tem algo COMO SER eu que outra pessoa não pode nunca conhecer. Pois bem, como dito no ponto 1, não vejo como isso pode estar correto. É claro que só eu posso ser eu, mas meu ponto de vista, minha perspectiva privada, meu "como é ser" poderia ser experimentado por outra pessoa que tenha os mesmos inputs, mesmos outputs e mesma estrutura cortical. Não acreditar nisso seria acreditar em algum tipo FORTE de dualismo, pois se tudo físico é IDÊNTICO, mas se as qualia são diferentes, então as qualia não são físicas (o que implicaria na possibilidade de existência de zumbis que, por sua vez, implicaria na tese que já defendi de que eu poderia ser um zumbi e não saber)
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirEu tenho uma pergunta que gostaria de lançar aos interessados:
ResponderExcluirEu não gosto de azeitona. Na verdade, a odeio. Para mim é uma ofensa ao paladar. No entanto, muitos são os que adoram. Pois bem, eu sinto o MESMO gosto do que estas pessoas, mas eu não gosto e já elas sim, ou então sentimos gostos diferentes e se eu pudesse sentir o gosto que elas sentem eu apreciaria também?
Faz sentido dizer que eu e o outro temos o mesmo quale, mas eu não gosto deste quale e ele sim? Ou será que temos qualia diferentes?
E quando eu não gostava de uma coisa e depois passo a gostar. Era um quale quando eu não gostava e outro quando eu passo a gostar ou é o mesmo quale, só que agora eu gosto dele?
Não tenho resposta pronta para isso, mas eu seguiria na linha de que não faz muito sentido diferenciar "o gosto mesmo" do modo como eu reajo a este gosto. Neste sentido, não haveria algo como "o gosto mesmo", ou "o quale do gosto de X", mas apenas a minha reação a determinados estímulos. Creio que a dificuldade de responder estas questões é oriunda do problema de se entender as qualia como tendo alguma instanciação autônoma. As qualia não são nada além do que o meu julgamento sobre certos estímulos (diria Dennett)
Gustavo,
ResponderExcluirEu não tenho resposta pronta para o seu questionamento, nem sei se conseguirei ter depois de algum investimento nisso. Mas a sua forma de tratar o tema e de colocar questões me convida a regiar (positivamente, é claro). Farei isso espontaneamente agora. A sua questão sobre o gosto da azeitona me faz voltar a uma insistência que tenho com o Nivaldo - a de que muitos dos antropólogos não somos muito afeitos às ontologias, ao menos, não tão estáveis. Explico melhor: interessa-me mais o efeito que é produzido entre você e a azeitona, do que a discussão de "a questão" esteja ou nas propriedades da azeitona ou no seu quale. Eu troco o "ou ou" pelo e - um "e" que divide e ao mesmo tempo soma. É claro que do ponto de vista de alguns isso será uma saída pela culatra. Mas eu prefiro pensar que avaliamos pouco esse tipo de postura - a de não pensar nos entes em si, mas em relação (que não significa relacional, nem relativo e coisas do gênero).
me convida a reagir*
Excluira discussão de que "a questão"*
Gustavo...
ResponderExcluirSua análise sobre a crença no sol ainda me parece incorreta. Ou é isso ou estou com severas dificuldades para entender o que está dizendo sobre isso. Veja, mesmo o sol sendo uma entidade objetiva, portanto “partilhável”, algumas evidências que temos acerca dele são tão subjetivas quanto a experiência de vermelho: o brilho ofuscante, o calor sobre nossa pele, a COR amarelada.... Sem esse tipo de evidência não poderíamos ter qualquer crença em entidades “transfenomenais”, quanto mais uma crença compartilhada.
Agora, num sentido que venho tentando especificar desde o facebook, tanto o vermelho quanto o amarelo do sol, ou qualquer outro estado qualitativo, podem ser compartilhados. Compartilhados no sentido de que um terceiro pode ter acesso epistêmico ao seu “ver em vermelho”, ainda que fenomenologicamente essa experiência seja intransferível. Mas o acesso epistêmico é diferente do “acesso” fenomênico. O primeiro diz da formação de juízos bem justificados a respeito do que se passa no interior de outros organismos. O segundo consiste apenas em estar num certo estado sensitivo e nem mesmo implica um acesso epistêmico. Bebês e animais infra-humanos podem experimentar estados qualitativos sem que sejam capazes de formar juízos acerca dessas experiências. “Conhecem” esses estados apenas por contato.
Outro aspecto que temos que considerar é que não somente a forma de conhecer um estado interior varia da perspectiva de terceira pessoa para a de primeira. O tipo de evidência também varia. As evidências que nos permitem acessar/conhecer os estados subjetivos de outro organismo são dadas por seu comportamento e estrutura física. Podemos emitir um juízo bem sucedido sobre a dor de uma criança apenas observando seu joelho ralado, seu choro, pedido de socorro, etc. Mas essas são evidências de terceira pessoa; são aspectos funcionais da experiência da criança, não são aspectos fenomênicos. Quanto à criança, ela acessa/conhece sua dor por uma evidência diferente e aparentemente não “funcionalizável”; a experiência mesma da dor.
Sobre a possibilidade de realizar sensações qualitativamente indistinguíveis em dois organismos diferentes, acho isso perfeitamente possível e responderia positivamente a todas aquelas questões que colocou. Mas não creio que isso seja uma ruptura real da barreira dos qualia. A replicação do mesmo tipo de experiência em dois organismos continua não implicando que essas experiências sejam integralmente traduzíveis em evidências de terceira pessoa. Evidências de terceira pessoa apenas nos fazem conhecer, compreender e explicar funcionalmente as evidências de primeira pessoa, mas não nos fazem experimentar essas últimas.
Por isso penso que a comparação da perspectiva de primeira pessoa com a perspectiva de montanhas seja uma falsa analogia. De não existir algo ‘como é ser a Pedra de Gávea’ que não possa ser expresso em terceira pessoa, não se segue que todo tipo de ‘como é ser x’ possa ser expresso em terceira pessoa. A Pedra de Gávea, como todas as pedras, não tem experiências qualitativas. Nós as temos.
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ResponderExcluirNivaldo e Jean, Que bom isso aqui, proporcionado por vocês dois. Pelo comentário do Gustavo, gostaria de estender ao (S.N.A).
O Sistema Nervoso autônomo, da espécie humana, é quem comanda este sistema " elétrico e orgânico". A combinação disso tudo, é, que os paladares, dividem uma "aliança" com glândulas chamadas de: amigdalas, comandadas "estritamente", pelo S.N.A; e o, S.N.A, é regulado por 23 pares de cromossomos, onde de 6 a 7 pares, na espécie humana, são falhados.
Há probabilidades deste monofilético, não proporcionar a transmissão do armazenamento do O2 em suas células, e por isso o fruto da azeitona, seja, de forma autônoma, descartado pelo paladar. Isto ocorre por motivos “autônomos”. É claro que questões como, pressão arterial, colesterol, e sono, interligar-se nesta oleaceae, diante de tal caso, apresentado, e por isso é melhor mesmo, evitar.
Conheço pacientes que apresentam sintomas parecidos a este, como é o caso do glutamato, existem pacientes “geneticamente inativos”, para este aminoácido que ao comer escondido entre temperos, passam mal; e dão um trabalhão ao médico de P.S.
Espero ter contribuído, um forte abraço a todos do Grupo. Edson Stofela
Gustavo...
ResponderExcluirPeço que tome meu uso de indexicais apenas como uma facilitação pragmática. Afinal, é difícil tratar dessa questão, sem usar ‘eu’, ‘meu’, ‘seu’, etc. Não obstante, penso que experiências implicam alguma indexicalidade, já que uma experiência é sempre experiência de um sujeito. É presumível que os qualia sejam a unidade mínima de subjetividade, de forma que a simples ocorrência de um quale implica um ‘sujeito fenomenal’, um ‘eu’ mínimo. Inclusive dei margem a essa ideia num post mais ao início em que critiquei a separação radical das categorias psicológicas, sugerindo que a distinção entre uma ‘sensação’ e um ‘eu’, seja apenas de grau.
Agora, seja como for, essa questão não é fundamental já que não é o fato de implicar indexicalidade que faz do problema dos qualia o problema que é, pois mesmo que eles pudessem pairar por ai na ausência de qualquer indexador, a questão sobre a relação dessas entidades com o mundo físico ainda teria que ser explicada. E é isso que fica-se por explicar quando você alude sobre a possibilidade de replicação de uma experiência em diferentes organismos. Se isso chegar a ocorrer, ainda lhe perguntariam “por que não posso acessar a experiência do outro a não ser que eu seja exatamente como ele?”. O fundamento dessa pergunta está em esse acesso não ser efetuado por evidências de terceira pessoa. Dois sujeitos ainda teriam que ser indistinguíveis (em cérebros, experiências, ambiente, etc.) para que compartilhassem a mesma experiência consciente. Em última análise, para acessar a experiência de outrem, teríamos de fazê-lo em primeira pessoa, através de nossa própria experiência. E isso não se parece nada com o acesso “terceirizado” profetizado por autores da extirpe de Dennett.
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ResponderExcluirAgora...Talvez seja precisamente a sua posição que leve ao dualismo. Vejamos... Você sugere que a replicação física entre dois organismos implica que eles tenham a mesma experiência. Isso é razoável. Mas há um problema para o fisicalismo aqui. O tipo de identidade envolvida nisso não é metafisicamente forte para se dizer que seja a mesma experiência. Essa identidade de que fala é apenas “indiscernibilidade”, ou identidade qualitativa, se preferir. Não se trata de identidade numérica, que é o que normalmente é requerido para que se diga algo como “x = y”.
ResponderExcluirTalvez o caso dos qualia constitua uma exceção e a identidade qualitativa seja tudo o que eles precisem para que sejam metafisicamente idênticos. Mas se nesse caso a identidade qualitativa tiver força suficiente para estabelecer uma identidade metafísica autêntica, então em que sentido os qualia são físicos, na acepção corrente de ‘físico’?
Ao menos do ponto de vista físico os realizadores desses qualia, por mais que sejam indistinguíveis, continuam sendo dois e não um. E entidades físicas, até onde se sabe, não podem violar a identidade numérica. Mas parece que o que diz sobre os qualia permite que eles violem esse principio, pois apesar de realizados em entidades distintas eles seriam uma só ocorrência. Se aceitarmos isso então aceitamos que entidades físicas qualitativamente idênticas são suficientes para realizar propriedades fenomenais numericamente idênticas. Isso significa que os qualia são individuados por condições metafísicas diferentes das dos seus realizadores físicos. Ora, isso é dualismo! Ou estou enganado?
Talvez possamos tentar dissuadir essa situação com uma interpretação funcionalista, mas não acho que seria promissor...
Marcus, creio que há um conjunto de confusões e interpretações confusas para discutirmos. Vamos lá:
ResponderExcluir- Você parece não fazer diferença entre "o amarelo do Sol" e "o Sol", mas vamos deixar este tópico de lado...
- "Não obstante, penso que experiências implicam alguma indexicalidade, já que uma experiência é sempre experiência de um sujeito" - Você acaba de concordar comigo que a existência de um "sujeito" é tão intuitiva quanto a das qualia. Mas se me lembro bem, você também concorda comigo que a existência deste sujeito não está clara
- "Dois sujeitos ainda teriam que ser indistinguíveis (em cérebros, experiências, ambiente, etc.) para que compartilhassem a mesma experiência consciente." - Discordo e continuo achando que você está confundindo "como é ser" com "indexicalidade". Eu não posso ter a experiência de X sem ser X (pois só X é X) é um problema de indexicalidade. Do mesmo modo a Pedra da Gávea não pode ser o Pão de Açúcar (pois só p Pão de Açúcar é o Pão de Açúcar). Isso é UM problema. O OUTRO é que certos seres (segundo você) tem um "como é ser ele", pois bem, não vejo motivos para que isso não possa ser simulado em outro ser. Para mim, você permanece confundindo dois problemas
- "Ora, isso é dualismo! Ou estou enganado?" Está enganado. Esta sua confusão entre identidade numérica e identidade metafísica só se dá por causa da sua confusão entre o problema dos indexicais e o problema do "como é ser". Não seria uma só ocorrência dos qualia, seriam duas. Você insiste em achar que é uma só ocorrência porque entende que os mesmos qualia precisam ser indexicalmente o mesmo, mas não precisa. A outra pessoa vai instanciar o MESMO qualia, mas não vai ser o MEU qualia (repetindo: o problema do "como é ser" e da indexicalidade são distintos). Do mesmo modo que dois computadores fisicamente idênticos podem rodar o mesmo programa, uma pessoa pode experenciar a mesma dor que a outra (problema do "como é ser"),. São duas dores distintas apenas em quem ela se instancia (problema dos indexicais).
Acho que nosso debate se resume a isso (veja se concorda): duas pessoas fisicamente idênticas olhando para duas coisas, também fisicamente idênticas, em duas condições, mais uma vez fisicamente idênticas, vão ter o MESMO qualia ou terão qualia diferente?? Você insiste que serão diferentes pelo motivo de que são duas pessoas diferentes e os qualia são sempre "qualias de X". Já eu digo que este seu problema é um problema de indexicalidade, mas não de "como é ser". As duas pessoas, de fato, são diferentes numericamente, mas estão no MESMO "como é ser", ou seja, têm a mesma experiência (mas numericamente diferentes)
Colocando de um modo bastante não filosófico: para você a "experiência de x" só pode ser "de x" (creio que isso é o problema da indexicalidade) já para mim "a experiência" (problema do "como é ser") e o fato dela ser "de x" são duas coisas diferentes. Y também pode ter a MESMA experiência. No caso, ela será "de y", mas isso nada tem a ver com o problema. O "como é ser" será o mesmo, a experiência será a mesma, as qualia serão as mesmas, só que de outra pessoa (problema da indexicalidade).
ResponderExcluirNivaldo e Jean, o que vocês acham?
Gustavo...
ResponderExcluirÉ fantástico que não tenha notado a diferença que faço entre o ‘amarelo do sol’ e o ‘sol’ em meus posts. Podemos deixar esse assunto de lado como você sugeriu, mas convido-o a reler o primeiro parágrafo do meu post em 5 de agosto de 2014 16:01 e o primeiro do de 10 de agosto de 2014 14:52. Estão bem próximos logo acima e a distinção está bastante clara.
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“- Você acaba de concordar comigo que a existência de um "sujeito" é tão intuitiva quanto a das qualia.”
Gostaria mesmo de chegar a algum acordo com você, mas isso não foi o que aconteceu aqui. Quando eu disse em outro momento que os qualia não implicam um eu, por “eu” referia-me a consciência de segunda ordem. Eis alguns sinônimos: ‘conhecimento de si’, ‘autoconceito’, ‘representação conceitual do sujeito da experiência’, ‘consciência reflexiva’, self, etc. Obviamente essa acepção de ‘eu’ é cognitiva e envolve linguagem. Naturalmente, o problema dos qualia não implica esse tipo de ‘eu’. Lembre-se de que na ocasião eu estava tentando desmanchar a associação que o Segata fez entre o problema dos qualia e o conceito de ‘eu’ endossado por certas escolas psicológicas.
Já o ‘eu’ de que falei agora não é cognitivo, é fenomenológico. Inclusive o chamei de “eu mínimo”, na falta de um termo melhor. Trata-se simplesmente de ser um ‘sujeito da experiência’, um lócus onde ocorrem experiências sensórias. Até uma ameba é portadora desse ‘eu’. E é nesse sentido que digo que os qualia podem implicar alguma indexicalidade. O ‘ser como’ varia em função do ente que ocupa o indexador, é determinado por quem ou pelo lócus a que essa expressão se refere.
Considere a seguinte afirmação: “Há algo que é ser como eu”. Essa afirmação satisfaz a fórmula nageliana da subjetividade e envolve indexicalidade: o ‘ser como’ será determinado pela instância que ocupar o lugar de ‘eu’(que pode ser um ‘eu’ cognitivo ou simplesmente um ‘eu’ fenomenal). Isso indica que mesmo a questão da indexicalidade envolve aspectos metafísicos. Não é apenas questão de linguagem.
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“Mas se me lembro bem, você também concorda comigo que a existência deste sujeito não está clara”
Faça as devidas distinções sobre o termo ‘eu’, como acabei de especificar, e verá que não há concordância entre nós nesse ponto.
Bem, você sugere que os qualia de um ser podem ser simulados em outro ser caso repliquemos as condições físicas adequadas. Nunca neguei isso. O problema é que se você trata “simulação” como “identidade” então temos um problema pois os qualia serão literalmente idênticos, mas seus realizadores físicos não serão literalmente idênticos. Logo a ontologia dos qualia é distinta da ontologia de seus realizadores.
ResponderExcluirNesse caso temos duas interpretações: ou dizemos que os qualia são numericamente distintos mas metafisicamente idênticos, o que é absurdo; ou dizemos que eles são numericamente idênticos, mas que suas condições de individuação são metafisicamente distintas das condições de individuação de seus realizadores físicos, de forma que temos entidades físicas apenas qualitativamente idênticas (indiscerníveis) realizando experiências numericamente idênticas. Nesse caso, ou você recorre a uma ontologia de universais ou apela a realização múltipla. Mas enquanto a primeira opção não se alinha muito ao fisicalismo e ao naturalismo atuais, a segunda, caso funcionasse, teria resolvido o problema dos qualia desde os anos 60, o que evidentemente não aconteceu.
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Agora, se o que diz é que dois sujeitos fisicamente indistinguíveis realizam experiências qualitativamente indistinguíveis, mas numericamente distintas, então além de isso ser trivial passa ao largo do problema dos qualia. É trivial porque essa possibilidade pode ser satisfeita em quaisquer pares de entidades físicas “fabricadas” com o mesmo molde. Mas tudo o que isso mostra é que há uma relação de superveniência entre entidades físicas e as propriedades que realizam.
Nada disso resolve o problema dos qualia. Você teria as mesmas propriedades qualitativas de seu replicante, mas para acessá-las teria que fazer isso em primeira pessoa não em terceira. Se o “terceirizacionismo” -- expressão que acabo de inventar -- fosse verdadeiro, duas pessoas não precisariam ser fisicamente indistinguíveis para acessar a experiência uma da outra. Bastariam considerações sobre as características físicas e comportamentais para que pudessem esgotar tudo o que há na experiência em primeira pessoa. Mas parece que você mesmo admite que para esgotar essa experiência, um sujeito precisa olhar para mais uma coisa além das características físicas e comportamentais de sua réplica: precisa olhar para si mesmo. Se não for isso então porque teve que lançar mão da ideia de replicação para “quebrar” a barreira dos qualia?
Em suma, a objeção que fiz foi a seguinte: evidências de terceira pessoa permitem a um sujeito SABER QUE sua réplica tem a mesma experiência. Mas para SABER COMO é a sua réplica, esse sujeito só tem por evidência o contato com sua própria experiência.
Gustavo,
ResponderExcluirCreio que o problema esteja na pergunta!
Perguntas deste tipo que apresentas nos induzem a crer que a resposta dada a ela nos leve em algum momento ter que aceitar algum tipo de qualia. Mas, o que venho advogando a um bom tempo é que talvez o problema esteja na pergunta, OK!
Veja, atrás da formulação da pergunta (o que é muito útil para podermos "evitar", no seu caso especialmente, comer algo tão desagradável quando azeitonas) estão escondidas diversas questões que, em princípio não precisam ser esclarecidas, dado o teu intuito maior de "evitar comer azeitonas". Entretanto, se nos propusermos investigar melhor a questão talvez tenhamos que refletir sobre alguns pontos antes. Deixa eu tentar ser mais claro, quando você diz que "Eu não gosto de azeitonas", você não está dizendo que exista um qualia especial do tipo "gostar de azeitona" que pertence ao sujeito "você". Na verdade, nesta simples frase, se formos analisar em termos um pouco mais sofisticados, creio que ela ficaria mais ou menos assim: "dadas as condições X1, X2...Xn (que são os estados físicos do organismo partícipe do evento em pauta) o relato feito pelo sujeito epistêmico "G" (de "Gustavo", esse é o tal de "você" que, neste caso, é também o mesmo sujeito epistêmico do evento) indica sua "não preferência pela ingestão do alimento "A"" ("A" refere-se a "azeitona" que é também elemento físico partícipe do mesmo evento geral). NADA ALÉM DISSO.
Quando ocorre a comparação em relação ao que outras pessoas dizem acerca deste caso, novamente teremos que reconstruir o que fora dito (volto a dizer, em nível de comunicação geral entre pessoas em um restaurante essa economia linguística é muito suficiente para evitar que Gustavos comam azeitonas e que Nivaldos as lancem em copos da pinga Espírito de Minas as dezenas!). Note, não é possível dizer que existes (ou não) o "mesmo gosto" entre eu´s. Voltaremos neste caso ao problema da relação entre eventos públicos e privados. Se for o "eu" do Gustavo em relação ao "eu" do Nivaldo, e, se ambos forem analisados na perspectiva de primeira pessoa/privados, fica fácil a resolução da questão! Ou seja, simplesmente é IMPOSSÍVEL a comparação. Posso, no máximo, fazer a tal da "aposta" que apresentei em discussão com o Marcus em outro post.
Veja, mas é bastante interessante utilizarmos desta estratégia de comparar o "gosto da azeitona", é tão interessante que eu poderia utilizar de algo parecido para dizer que um robô também poderia não gostar de azeitona assim como o Gustavo. Nada mudaria neste caso, seriam dois entes emitindo um julgamento acerca de algo. É claro que aqui algum dualista poderia defender a existência do qualia dizendo que estou aceitando que exista o "sentimento de gosto" independente dos fatores físicos que são partícipes dele. Para estes eu apenas diria, posso dizer que "não gosto que passe óleo nas minhas articulações" e um robô poderia dizer que "adoro quando passam óleo nas minhas articulações". Neste caso, a relação seria a mesma. São apenas termos úteis, muito úteis.
continuando...
ResponderExcluirQuanto a sua pergunta (ótima diga-se de passagem): "E quando eu não gostava de uma coisa e depois passo a gostar. Era um quale quando eu não gostava e outro quando eu passo a gostar ou é o mesmo qualia, só que agora eu gosto dele?" - aqui você está incluindo o fator tempo. Para tanto, seria necessário acrescer o que fora dito anteriormente de um varável temporal. Ou seja, no tempo T1, o sujeito epistêmico "G", apresenta o relato "Z1" acerca da sua relação com "A". Todavia, em T2, o mesmo sujeito epistêmico "G", apresenta o relato "Z2" acerca de sua relação com "A". Assim, comparando Z1 e Z2, contatamos que são diferentes, assim como a relação poderia se dar entre "G" e "N". NADA MAIS.
... é triste, menos poético, mas, nada mais! Se bem que isso ocorreu comigo em T1, mas, como já estou em T123234123, já até vejo um pouco de poesia novamente!
Ah!, O bacana disso é que o Gustavo em T1 enquanto evento privado acerca de "A" NUNCA poderá se comunicar e nem saber do Gustavo, enquanto evento privado acerca de "A" em T2. Agora sem nos preocuparmos com os problemas que possam estar escondidos nas perguntas, eu poderia dizer que o Gustavo não se comunica com ele pois seu "eu" é desconhecido de ti em outros momentos da tua vida! kkkkkkkk
ResponderExcluirNivaldo.
ResponderExcluirSua provocação com o Gustavo em não saber dele mesmo e a afirmação de Marcus de que a fórmula nageliana de subjetividade é satisfeita com a afirmação de “há algo que é ser como eu”, ainda que por vias diferentes, deixam-me desconfortável. Penso que a questão não se satisfaz nessa afirmação - ao contrário: ela começa aí. Como o próprio Nagel insiste, se é que eu me lembro do argumento dele no livro "Visão a partir de Lugar Nenhum" (estou viajando e estou sem material para consultar) o tipo de afirmação "há algo que é ser como eu" contém todos nós - ou seja, é de uma generalidade objetiva. Porém nenhum de nós ocupa uma posição metafisicamente privilegiada para poder se afirmar como uma pessoa em particular. Então, não satisfaz, mas abre o problema: como eu posso saber que eu sou ou como é possível saber que uma determinada pessoa sou eu?
Jean,
ResponderExcluirO que tentei demonstrar (até com um grau de ironia, uma boa ironia é claro!) através de uma variação argumentativa (sem o intuito retórico, OK!) é que a perspectiva de primeira pessoa talvez possa ser impossível ou, se possível, presa num ostracismo/solipsismo eterno!
Bem, estamos agora no final do debate. Creio que não é mais o momento de abrir portas, mas de fechar.
ResponderExcluirTendo esclarecido isso, vejo pela linha desta última postagem do Nivaldo: "a perspectiva de primeira pessoa nos leva a um solipsismo eterno". Solipsismo tão radical que não podemos saber nem da nossa própria experiência em um tempo passado. Estaríamos presos ao quale que temos neste exato momento. O que tentei levantar com as questões sobre a azeitona, seguindo um clássico artigo de Dennett (Quining Qualia, 1988), é que existem bons motivos para resistirmos às intuições sobre o caráter especial das qualia. Repito: que sinto frio, isso não está em debate, mas que esta sensação precisa de uma ontologia própria para ser explicada, esse é o problema.
Se tivermos uma ontologia própria, entramos no problema do mundo zumbi que estudei em meu mestrado: não sendo nem redutíveis nem eliminadas pelo fisicalismo, as qualia seriam algo extra. Poderia então pensar em um mundo fisicamente idêntico ao nosso, mas sem este extra (não é preciso que este mundo exista, apenas que seja concebível ou logicamente possível). Se o mundo zumbi pode existir, então existe lá um Gustavo-Zumbi e um Marcus-Zumbi que estão discuindo sobre qualia. Pois bem, o problema é que o Marcus-Zumbi tem tanta certeza sobre a existência de seus próprios qualia quanto o Marcus, afinal de conta, eles são fisicamente idêntico, então processam a mesma informação no cérebro. Isso quer dizer que o Marcus pode ser, na verdade, o Marcus-Zumbi e não saber. Chegamos, assim, a um problema muito mais radical do que "o problema das outras mentes". Chegamos ao que eu chamei de "problema da minha mente" onde as qualia, aquela intuição que deveria nos ser mais certa, se torna aquilo mais longínquo. É fruto do "ostracismo/solipsismo eterno" que o Nivaldo fala...