5 de agosto de 2015

Transhumanismo

Nesta semana, o Grupo de Pesquisa em Filosofia da Mente e Ciências Cognitivas compartilha este vídeo, em que o professor João de Fernandes Teixeira, referência nacional nos estudos em Filosofia da Mente, fala sobre transhumanismo. Confira:


9 comentários:

  1. Creio que para podermos começar esta discussão seja interessante conceituarmos primeiramente o que é: i) tecnologia; ii) artificial

    Após poderemos ver seus desdobramentos nas questões como o transhumanismo e/ou pós-humanismo.

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  2. Marcus Vinícius M. Escobar:
    Sou simpático ao transhumanismo. No modo como o entendo, pode ser resumido na seguinte ideia: se pudermos aperfeiçoar tecnologicamente a natureza humana, no sentido de superar nossas limitações cognitivas, morais e físicas com o intuito de aumentar a qualidade de nossa existência, então temos o dever de fazê-lo.
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    Nivaldo Machado:
    Caro Marcus Vinícius M. Escobar... recentemente participei de um debate acerca da temática TRANSHUMANISMO... e alertei quanto ao perigo de estarmos discutindo algo que não podemos discutir devido a um certo encapsulamento do problema. Vou tentar ser um pouco mais claro: chamei a atenção de que talvez apenas um não-humano pudesse conseguir analisar a transhumanidade, visto que, parece ser evidente de que nós, enquanto humanos, estamos num certo estado solipsista que nos veta a possibilidade de tratar de algo que tenha por propriedade exatamente o condicional de ser para-além-do-humano!

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  3. Oi Nivaldo,

    Antes de tudo, um ótimo video. O João é claro nas suas intervenções. Alguns dos tópicos que ele aborda se aproximam muito das coisas que eu tenho trabalhado há vários anos, talvez o rótulo meio tosco, de cibercultura, não denote isso claramente. é o nome que o campo acabou ganhando numa interseção entre sociologia, política, comunicação, antropologia... Mas para além do nome disso, o que importa é a preocupação comum com o efeito, ou melhor - para não ser pragmático, com o tipo de simbiose entre humanos e novas tecnologias digitais. No mesmo caso, em particular, isso se deu em duas formas - a primeira delas foi a tentativa de explorar formas de relacionamento por meio de interface. Não é uma questão categórica, como gostas de fazer, mas é um "fenômeno coletivo", bom de ser analisado antropologicamente. No segundo momento, quando passei a estudar as tecnologias utilizada para a saúde animal, a coisa mudou um pouco. Começou a fazer um pouco mais sentido o tipo de interesse que Foucault chamava de biopolítico (não me filio a essa discussão - mas é interessante se discutir, como faz também o João, o quanto as novas tecnologias facilitam a transformação da natureza de certos entes, emancipando, expandindo certas capacidades ou propriedades suas. É claro, Foucault via por detrás disso interesses. Acho pertinente, mas não é o tipo de análise na que me detenho). O tipo de discussão que faço pode ser resumido com esse trabalho bem seminal, de Arturo Escobar (http://res.uniandes.edu.co/pdf/data/Revista_No_22/03_Dossier1.pdf). Vale a pena ler (eu traduzi o trabalho e será publicado em outubro numa coletânea sobre o tema. Na ocasião, estarei com Escobar na Cidade do México, discutindo a pertinência do seu texto, passadas duas décadas de publicação). Mas de maneira geral o problema colocado nos seguintes termos: como pensar antropologicamente o modo como o uso de computadores com seus fluxos de informação e as biotecnologias introduzem mudanças na vida contemporânea. Isso é uma coisa.

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  4. Agora, sua pergunta sobre artificial/tecnologia. Bem, eu sou reducionista (como você sugere). Para os gregos havia a physis (natureza) e a techne (arte). O mundo era dividido, basicamente, no que era dada e no que era produto da arte/pensada como ação humana intencional. Tecnologia é, ainda que empregada como um adjetivo que qualifica certos artefatos, o estudo da técnica/da arte. Mas isso não é a questão. O que me interessa clarificar algumas coisas. A primeira delas é a de que a técnica é uma forma de intervenção, intencional, por meio de instrumentos. Marcel Mauss, antropólogo francês, num texto célebre, de 1936 chamado “As Técnicas do Corpo”, já alertava para o nosso equívoco em pensar na necessidade de um instrumento como sendo uma externalidade a nós mesmos - o corpo, escrevia ele, já é ele mesmo o nosso primeiro instrumento. Ele não é um dado, mas um resultado de intervenções que o tornam assim - um exemplo interessante é o de ele descrever o quanto o andar das moças parisienses mudou, com rebolados, depois que películas americanas passaram a ser exibidas em Paris, por exemplo. Mas a questão maior, que me dá um certo incômodo, inclusive quando leio alguns dos trabalhos ligados a esse grupo, é o do tipo de imagem que se faz da inteligência artificial - ela mimetiza a ficção científica do cinema americano (e muito do que a ciência/neurociência hoje faz é mimetizar isso também - a “ciência imitando a arte”: a gente acha o que quer achar quando faz ciência, então, se a questão é fazer um robô sorrir, a gente encontrará maneiras disso. Mas temos esquecido da simplicidade da divisão grega, do dado e do artificial. Se hoje eu penso assim, tipo X e não tipo Y, há uma artificialidade nisso. Eu enxergo tais tonalidades de cores, consigo me orientar bem em grandes cidades, mas diferentemente de um esquimó, eu me perderia numa rápida caminhada na neve. Qual o dado disso e qual a artificialidade desse tipo de inteligência que desenvolvi? Como aprendo/desenvolvo certas técnicas, diretamente ligadas a certas condições materiais, como alguém que me ensine a falar ou com o acesso a um computador com teclas ou outro onde preciso deslizar o dedo na tela? A inteligência artificial que me atrai como questão antropológica é muito mais elementar do que aquela dos filmes de Hollywood. Lembras que te falei de um vizinho com Parkinson? Nem andava mais, atrofia de membros inferirores. Fez um implante de chip no cérebro, corrigiu o problema neuroelétrico e hoje corre quilômetros - é um atleta de “melhor idade”. Isso conta como inteligência artificial? Não. Infelizmente, eu vejo contando apenas robos que sorriem, que “amam”, que “ficam tristes”. Tudo ligado ao mentalismo ou aquilo que de um jeito bem pior, chamamos de expressão subjetiva.

    Acho que a fala do João é clara em nos alertar que a gente está esperando uma coisa chegar e não nos demos por conta de que temos vivido isso o tempo todo.

    Finalmente, penso que há um desvio de categoria ao se dizer "transhumanismo, pós-humanismo". Humanismo, para mim, é uma definição política/moral do que é o ente que chamamos de humano. O próprio humano é uma categoria problemática, uma tentativa de emancipação do animal que somos. Entende, humano é uma categoria moral e um substantivo, depende do emprego - como em "humanos e animais convivem..." e "médicos são frios e enfermeiros mais humanos". Superar o humanismo, como política/moral, acho ótimo. Mas penso que o termo deveria ser pós-antropismo! A questão é entre o antropo e o que vem como "máquina" e não com o humano. Enfim, desvio de categorias.
    Porém, acho que "o mundo para além do humano" soa como uma volta pré-Kant. Podemos pensar num mundo pensado sem o humano? Isso não é uma volta ao absoluto fora do humano? Parece o papo de flat ontology, realismo especulativo (Graham Harman, etc.). Vamos pensar como uma coca-cola e ver como é o mundo dela.

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  5. Jean,

    è sempre MUITO BOM Ler-Te!!!!

    Creio sim que esta temática seja muito apropriada para uma investigação criteriosa e, por assim, cuidadosa. O João Teixeira é sempre muito claro tanto na escrita quanto na fala. Em seu último livro O CÉREBRO E O ROBÔ ele vai transcorrer também pela problemática do transhumanismo. É um livro bastante gostoso de ser lido principalmente pelo fato de não termos que desmontar os argumentos chatos dos filósofos analíticos, rsrsrssss (talvez a falta deles venha a ser minha única crítica, mas....).

    Lembro muito bem de nossas apimentadas e sempre, pelo menos para mim, saborosas discussões acerca de questões como: Humanos e não-humanos, natural e artificial, ética-ciência-política... e, atualmente, creio que estas discussões estão SIM na ponta de importância da agenda científica e filosófica atual (mesmo eu, como bem sabes, não gostando muito de marcar a divisão entre o trabalho filosófico do científico...).

    Mesmo eu não sendo em antropologia nada além de um admirador, creio que, por exemplo, em muitos Comitês de ètica, necessitemos de antropólogos para auxiliar discussões que estão cada vez mais limitadas à meras normatizações jurídicas (estou ficando sinceramente furiosos com isso em nosso país. Essa Plataforma Brasil está se tornando uma extensão do Currículum Lattes, ou seja, um instrumento que de tão mal utilizado está trazendo muito mais problemas (no sentido pejorativo do termo) do que contribuiçoes efetivas).

    Lendo teu texto acima me lembrei da época que enquanto seminarista travávamos batalhas gigantes entre HUMANISTAS E ANTI-HUMANISTAS! Nossa, hoje me sinto péssimo ao lembrar do quão horríveis eram tais batalhas.... me senti em Jerusalém!!!! Mas, após estes anos todos, ainda encontro partidários dedicados às Cruzadas pós-modernas e/ou transhumanistas! E isso me irrita muito. Recentemente fui acusado em firmes e altos Brados por ser um filósofo que, por vezes várias, procedia de modo analítico. Sério. Fui acusado de já estar morto e de que faltava fenomenologia em mim. Mas, a vantagem é que espero ainda encontrar o perdão em algum sacro autor para me livrar do pecado da dúvida sistemática e de proceder com as cartas-abertas-sobre-a-mesa (sei que você deve estar adorando esses hifens ...... tão heideggerianos! kkkk).

    E, de acordo contigo (2015): "Porém, acho que "o mundo para além do humano" soa como uma volta pré-Kant. Podemos pensar num mundo pensado sem o humano? Isso não é uma volta ao absoluto fora do humano? Parece o papo de flat ontology, realismo especulativo (Graham Harman, etc.). Vamos pensar como uma coca-cola e ver como é o mundo dela."

    ou como gosto de dizer: "será que não estamos utilizando um livro escrito numa linguagem que eu não conheço para me ensinar essa própria linguagem?!"

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  6. Nivaldo,
    Que bom que o que escrevi te fez lembrar que o humanismo é um tipo de fundamentalismo quase religioso, que precisa ser revisto. Por isso, volto a frisar que o centro do que leio nos teus trabalhos e naqueles de teus interlocutores discute tópicos em torno do orgânico, do processamento de dados, etc. e da possibilidade de máquinas fazerem isso, intencionalmente. Isso para mim soa como "humano pós-orgânico" ou "transorganismo" e não como transhumanismo (humanismo é uma crença moral de que os humanos são qualquer coisa de respeitável, livres, irmãos, iguais e que se devem cuidar uns dos outros - amém). Enfim, é um valor e não uma propriedade do ser.

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  7. Acho que o ponto é se máquinas/artefatos, podem fazer aquele que os seres orgânicos que chamamos de humanos podem fazer. Não é? Falar em transhumanismo já é querer que elas, as máquinas, tenham uma religião!

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  8. Perfeito,

    Neste sentido que usas o termo transhumanismo concordo com você. Tenho medo de palavras com "cargas emotivas e/ou pré-conceituosas" fortes. Humanismo é uma dessas... Ser Humano parece, grosso modo, já de cara duas coisas bem distintas: (a) uma espécie de animal; (b) um tipo de coisa/ser "boa". Encontramos (b) facilmente em frases do tipo: "Aquele sujeito é tão humano!" - no sentido de que ele pode ser MAIS ou MENOS humano que outro de sua própria espécie, ok! E isso é evidentemente MUITO perigoso, pois, neste caso, o transhumanismo carregaria em si também essa característica (ou poderia carregá-la!).

    Também fico muito preocupado com o uso do termo transhumano como algo como a melhora da espécie humana através dos artefactos tecnológicos...

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  9. Recomendo a pesquisa de um colega antropólogo que trabalha no MIT, Stefan Helmreich - Silicon Second Nature (tenho o PDF, se quiseres). Em outros termos, é uma etnografia - um trabalho antropológico - sobre a emergência de "formas de vida não orgânicas" (parece até um oxímoro assim vida/não orgânica, um antagonismo). Esse me parece o tom da discussão, inteligência não-orgânica - e não o que se denota com esse rótulo do X-humanismo, que parece deslocar o debate do fisicalismo para a moral, ingenuamente.

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