8 de agosto de 2011

Evolução da Linguagem: a Folk Psychology como critério econômico e Algorítmico


Meus amigos, apresento para vocês algumas das principais teses que estarei discutindo no Seventh Principia International Symposium:


(i)                 Sugerir a Filosofia da Mente enquanto atividade analítica sobre os constructos teóricos advindos das neurociências, da Inteligência Artificial e da Psicologia Evolucionária. Tal característica se dá devido à necessidade que estas áreas encontram de poderem propor argumentações mais criteriosas para justificar as teses apresentadas em suas especificidades. Por exemplo, expressões do tipo: “fora detectada a região cerebral responsável pela aquisição da linguagem”, “sistemas de inteligência artificial auxiliam em cirurgias neurais que possibilitam a plasticidade do Sistema Nervoso Central e Periférico”, “A Terapia Cognitiva atuando diretamente nos estados mentais de um indivíduo permite a modificação de comportamentos patológicos” – que encontramos todos os dias nos mais diversos veículos de comunicação (incluindo aqui também os ditos científicos) que estão repletos de expressões destes tipos. Entretanto, defendemos que a Filosofia da Mente se apresenta como atividade que exige um clareamento mais sofisticado dos termos utilizados em tais teses. A função do filósofo da mente neste caso é o de estar atuando paralelamente ao trabalho do cientista auxiliando na elaboração/depuração/justificação do seu discurso;

(ii)               Apresentar que os termos da Folk Psychology não rompem com a perspectiva reducionista monista materialista por não implicarem em nenhum tipo de dualismo (nem de substância e nem mesmo de propriedades, pois entendemos que o dualismo de propriedades ou (a) admite a cisão clássica proposta pelo modelo cartesiano ou (b) deva aceitar que sua proposta é meramente retórica e, por conseguinte, deva se enquadrar ao modelo monista materialista);

(iii)             Demonstrar que o vocabulário da Folk Psychology também se adéqua ao princípio evolucionário da adaptação nos moldes darwinianos. A linguagem humana desde os seus primórdios sempre fez uso de termos como crenças, desejos, intenções, saudade, sociedade para auxiliar no processo comunicacional. Na medida em que o ser humano fora ao longo do processo histórico complexificando seu arcabouço linguístico ele ia, ao mesmo tempo, substituindo termos não mais apropriados às exigências das expressões de linguagem por termos de maior eficácia. Podemos notar essa característica tanto em discursos menos sofisticados como o discurso do senso comum e, até mesmo em argumentações muito mais criteriosas, como é o caso das ciências e da própria filosofia;

(iv)             Por fim, defender a proposição de que o fator econômico é o elemento evolucionário central da Folk Psyhology. Neste caso, (iii) está diretamente associado ao critério (iv), ou seja, para que seja possível a comunicação humana, em todos os âmbitos do saber, o uso de vocabulário mais ou menos apto sempre se mostrou como condição necessária. O elemento que implica diretamente na aptidão de um termo a ser utilizado na apresentação de qualquer argumento é seu fator econômico. Melhor explicando, um determinado termo perdurará seu uso na medida em que esse for apto para atender as necessidades de comunicação. Em toda e qualquer área do saber, o ser humano lança mão de termos econômicos que o auxiliam no processo comunicacional devido a grande morosidade e complexidade que teríamos se fôssemos explicar a conceituação de cada termo utilizado na comunicação. Por exemplo, “estou com saudade do meu lêmori que morreu recentemente” – se formos conceituar cada um dos termos utilizados nesta frase levaríamos tanto tempo que implicaria na ineficácia da comunicação. Deste modo, os termos econômicos sempre estarão presentes nas mais diversas formas e estruturas argumentativas; e, sua substituição ocorreria, no decurso do tempo, na medida em que outros termos mais eficazes aparecessem pela própria exigência do discurso.

Grande abraço a todos... e boa discussão!

Prof. Nivaldo Machado

15 comentários:

  1. Infelizmente não poderei comparecer ao evento, Nivaldo. Mas deixo minhas provocações:

    A economia linguística é realmente imprescindível para a comunicação das pessoas. Você sugere que "um determinado termo perdurará seu uso na medida em que esse for apto para atender as necessidades de comunicação". Podemos explicar ocorrências desse tipo a partir do selecionismo -- de práticas culturais, no caso. Minha dúvida, como expus no texto passado (sobre a mente), é se termos econômicos adaptados ao ambiente -- do senso -- comum, tais como mente, desejo e crença, podem se adaptar igualmente bem a ambientes linguísticos mais complexos, como p. ex. os das comunidades científica e filosófica. É aí que, ao meu entender, entra um segundo critério: o da operacionalidade. Em poucas palavras, termos como crença e desejo, que são deveras econômicos, podem ser cientificamente operacionalizáveis -- podemos facilmente defini-los, identificá-los, classificá-los e até mesmo medi-los? Não sei como e se podemos mensurar um gene, mas este termo pode ser visto como algo ao mesmo tempo econômico e operacionalizável, de vez que facilita a comunicação entre cientistas -- e leigos -- e guarda expectativas sobre certos eventos biológicos. Não que os termos "desejo" e "intenção" não guardem certas expectativas, mas não sei como seria desenhar experimentos nos quais esses termos facilitem a observação, explicação, previsão e controle de fenômenos comportamentais. Não sou perito nesse assunto, mas sinto que o critério da operacionalidade deve contar para o valor de adaptação de certos termos no contexto das comunidades científica e filosófica.

    Um abraço.

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  3. Daniel,

    É uma pena que não estarás no PRINCIPIA... mas... vamos lá...

    Note, sou um realista. Sempre gosto de deixar bem claro meu posicionamento teórico (principalmente pelo motivo de não gostar muito das artimanhas retóricas! (por mais que eu goste de brincar com elas..OK!)).
    Até onde consegui estudar cada vez me convenso mais de que os termos econômicos, as ficções úteis são sim elementos que além de fazerem parte da nossa linguagem, são sim categorias que sem as quais a própria linguagem teria sérios problemas de existência. Não consigo entender linguagem sem ficções úteis.
    Perceba que a utilidade está justamente no fato de ela ser econômica. Essa economia (agora entrando mais diretamente em sua preocupação de como se portariam tais termos vindos da Flok Psycholoy em relação aos discursos mais sofisticados das ciências e da Filosofia em comparação ao senso comum...OK!) se dá exatamente em TODOS os âmbitos do saber (aqui de modo mais geral entendo por âmbito do saber: Ciência, Filosofia, senso comum, arte e religião...). Mas é interessante deixar claro que não estou descartando em nenhum momento que não existe uma sofisticação maior em alguns âmbitos. Para mim, diferentemente do Nelson Goodmann que estudamos no tópioco anterior, existe sim uma hierarquia entre os âmbitos. Tal hierarquia se dá justamente pela sofisticação dos argumentos apresentandos...OK! Mas, mesmo em teorizações muito mais complexas, em algum momento, teremos que fazer uso de algum termo da Folk Psychology....OK!

    Por mais detalhado que seja a estruturação de um argumento,Chego a dizer que até em nível lógico matemático (mas ainda não me dediquei o suficiente sobre isso...!!!) em algum momento faremos uso de expressões/termos que nos permitam a comunicação de mais mais direto e eficiente.

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  4. Acontece que se descartarmos, o uso de algumas expressões, estaremos descartando justamente uma parte da filosofia que é dedicada a analisar tais expressões,justifica-las e talvez até apresentar de forma mais detalhada e fundamentada tais expressões dando um sentido a elas, de forma coerente... logo, tudo se trataria por termos ciêntificos oque seria beem estranho haha

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  5. Por exemplo, “estou com saudade do meu lêmori que morreu recentemente” – se formos conceituar cada um dos termos utilizados nesta frase levaríamos tanto tempo que implicaria na ineficácia da comunicação.
    Creio que não seja das tarefas mais singelas caracterizar a linguagem, ou algo do gênero, digo isto devido a nós seres que utilizamos a própria linguagem para explicar a mesma, percebo que somos de uma tal forma obrigados a termos um certo grau de confiança nas palavras. Concordo com o Nivaldo quando menciona no comentário anterior: “ não consigo entender a linguagem sem ficções úteis , creio que nem tenha como, afinal a nossa comunicação, seja escrita ou oral, acaba sendo uma atividade da imaginação. Quando menciona sobre a substituição de acordo com a exigência do discurso, bom, se a linguagem for realmente algo biológico acaba se tornando um resultado da evolução, ela se transforma quando os “fatores”ao seu redor passam por evolução .
    Bem, discordo com o comentário do Everton, não generalize, nem todas as palavras necessariamente se tornarão termos científicos sem ter a necessidade, já imaginou uma mulher na praia assim – Nossa, uma Turritopsis aqui... Essa linguagem vai ser usada somente quando necessária, como o Nivaldo mencionou ,a exigência de um discurso.
    O que me chama atenção e me tirou o sono algumas vezes, é que nós temos que ter mais do que o reconhecimento da própria palavra, um exemplo simples, com gentileza a cozinheira pediu um pouco mais de salsa. Note que interpretamos salsa como erva aromática, ao invés de ritmo musical... Há a dependência entre os termos, para saber no mínimo a seu possível, significado.

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  6. Nivaldo,

    vai dar uma briga boa!!!

    na sua (ii) tese, me parece que além de não implicarem um dualismo, os termos econômicos da folk psi também não implicam um materialismo monista reducionista aos moldes que estás apresentando. Já discutimos isso antes, e volto a cutucar neste ponto: não seria o caso que os termos econômicos da folk psi são irredutíveis à matéria? (sem implicar em um dualismo!) eles estariam em uma terceira margem, ao estilo do materialismo não-reducionista....


    veja que esta proposta não vai contra a suas outras teses, pois podemos conciliar as demais teses com a proposta não-reducionista. O que não quer dizer que tenha algum problema em ser reducionista em outras coisas...quanto mais simples puder ser nossa argumentação melhor, só não sei se uma proposta reducionista radical preencheria este requisito de simplicidade ao explicar a natureza do mental.

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  7. Nivaldo:

    "Mas, mesmo em teorizações muito mais complexas, em algum momento, teremos que fazer uso de algum termo da Folk Psychology....OK!"

    Não discordo de você, Nivaldo. Só não sei se os termos da folk psychology, que são realmente econômicos e úteis, servir-nos-ão bem no âmbito de certas ciências (das psicológicas, sobretudo). Por exemplo, os cognitivistas dizem que agimos de tal ou tal forma porque CREMOS em e DESEJAMOS certas coisas. Mudando as crenças disfuncionais, mudaremos o comportamento. Por outro lado, nosso cliente continua agindo da forma-problema, mesmo que ele diga "Sim, eu SEI que minha mulher não me trai... e eu ACREDITO nas palavras dela". O cognitivista, criticado pelo behaviorista, diria ou que o indivíduo "não acredita o suficiente" ou que "sua crença não é forte". Mas como definir e distinguir uma crença legítima ou forte de uma crença ilegítima ou fraca? Os problemas começam por aí (problemas de operacionalidade, como citei anteriormente), e é em parte por isso que eu desconfio que a folk psychology terá sérias dificuldades para conquistar o reino da ciência psicológica.

    Um abraço.

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  8. Denize e Vinícius,

    Não estou propondo o abandono dos termos psicológicos populares. A folk psychology facilita muito nossa vida. Só estou questionando se podemos fazer ciência lançando mão de seus termos.

    Abraços.

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  9. Daniel,

    i)neste seu exemplo caricatural da terapia cognitiva há muito mais coisas a se considerar, e um bom terapeuta cognitivo não trataria o problema deste modo simplório. O cliente reconhecer o problema é apenas um passo. Não estamos aqui falando de regressão de vidas passadas, ou outras charlatanices poéticas onde o simples "reconhecer" o problema é igual a solucionar o mesmo. Da mesma forma na terapia comportamental o simples "reconhecer" o problema não é igual a superá-lo. O cliente pode muito bem descrever todas as variáveis que lhe fazem ter uma certa reação fisiológica indesejada, mas apenas isso não é suficiente para que ele deixe de ter tal reação indesejada.

    ii)parafraseando você, eu diria:

    é em parte por isso que eu desconfio que a folk psychology terá sérias dificuldades para SAIR do reino da ciência psicológica, e de todas as outras!

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  10. Eduardo,

    Não gosto muito desta clássica divisão entre Materialismo reducionista ou não-reducionista...OK!

    Mas vou tentar ser ainda mais claro: Sou monista materialista sim. Quanto a ser ou não reducionista creio que esta é uma reflexão que talvez possamos nos dedicar mais sofisticadamente em outro momento. Mas, grosso modo, não creio que exista problema com admitir nenhuma das duas vertentes de monismo materialista e aceitar a Folk Psychology!

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  11. continuando...

    Creio que uma visão Naturalista do Mundo se adecua muito bem com a questão da impossibilidade de se eliminar o vocabulário da Fok Psychology. Note, sou um reducionista no sentido de não admitir nenhum tipo de dualismo...OK! O que existe é natural, possui em alguma instância um substractum corpóreo (estou aqui inglobando até a energia. No sentido de que até a energia não é algo de uma substância imaterial aos moldes cartesianos..OK!)

    Todavia, não temos como tratar de quaisquer problemas sem fazermos uso da linguagem. Quanto a isto, estamos confinados eternamente a utilizarmos da linguagem até mesmo para falar dela! Mesmo assim, não acredito que unicórnios alados não possuam nenhuma base material. Unicórnios alados são podutos da ação cerebral. O que varia é apenas o foco ao objeto a ser analisado...só isso. Unicórnios alados não são seres metafísicos!

    O que defendo de modo mais radical é que não tenho como escapar (aqui já tratando tb da preocupação do Daniel) do uso dos termos úteis da Folk Psychology. Em algum momento do meu discurso eu farei uso deles. Percebam, nem eu, nem vocês... e creio que ninguém até hoje conseguiu tratar de qualquer coisa sem em algum momento do seu discurso utilizar destas ficções úteis.

    Daniel, a Terapia Cognitiva por exemplo esta absolutamente repleta destes termos. Ora, existem momentos em que ocorre uma despreocupação periogosa em algumas teorizações. Mas, grosso modo, até nas teorizações altamente sofisticadas como da lógica e da matemática, vamos ter que utilizar de termos não tão precisos para que nossa comunicação ocorra.

    Imaginemos o quão complicado seria se nossas vidas exigíssem um clareamento absolutamente preciso de todos os termos que utilizamos para falar de qualquer coisas. Muito provavelmente pararíamos nosso discurso na categorização do primeiro termo utilizado!

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  12. Daniel,

    Se notares no texto incial deste tópico eu digo que os termos da Folk Psychology evoluem de modo adaptativo bem aos moldes darwinianos.

    Neste sentido, é claro que no âmbito científico, as ficções úteis serão muito mais sofisticadas do que as ficções também úteis do nosso discurso cotidiano!

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  13. Olá! Quero aqui registrar um trecho da conclusão do livro MENTE, CÉREBRO E COGNIÇÃO (TEIXEIRA, João de Fernandes), acredito que deve contribuir de alguma forma com a discussão do assunto.
    Se a folk Psychology é a infância da ciência da mente, podemos afirmar que uma parte dessa ciência sempre viverá uma infância perpétua. Uma infância perpétua que se caracteriza pela incessante busca de metáforas ou modelos que tornem concebível para o senso comum o que seria mente, buscando com que as mentes se parecem.
    Vinícius... não sei se foi isso que você quis dizer... mas também penso que alguns conceitos podem não passar de construções lingüísticas para facilitar na complexidade de algo, mas quando falamos de ciência... evoluir e aprimorar é necessário.

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  14. Bem, para compreender de modo simplório o comportamento humano, através dos estados mentais utilizou Folk Psychology, psicologia popular, ou psicologia do senso comum, linguagem popular, no qual muitos teóricos defendem a ideia de eliminar essa termologia para tornar mais apropriado/ específico o vocabulário, quando ocorre uma descrição de um comportamento humano.
    Tendo como justificativa a inexistência de um vocabulário mentalista.
    Por exemplo, quando mencionamos que alguém tem medo de altura, estamos utilizando um vocabulário impróprio, dificultando a descrição do comportamento. Tornando a Folk Psychology apenas uma coleção de platitudes, mas se esse conjunto sofrer uma sistematização é possível descrever a psicologia popular como uma teoria, de forma mais “natural”?!
    Neste caso, concordo com o Lewis,a Folk Psychology está ligada a informações sobre estados mentais que quase todos sabem, inclui como antes mencionei esse conjunto de platitudes, talvez por isso descartá-la seja impossível estamos imerso nela, como o Nivaldo disse não tenho como escapar do uso dos termos úteis da Folk Psychology....

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  15. Daiana,

    “... evoluir e aprimorar é necessário”. Concordo, não somente no campo da ciência, usar termos específicos em descrições é importante, o torna mais coerente e isso talvez seja a principal característica para a hierarquia entre os âmbitos.
    Como Augusto Comte menciona a religião corresponde à infância, filosofia a adolescência e a ciência a maturidade, ou seja, o conhecimento científico faz com que temos conhecimento “legitimo” da realidade do mundo que nos cerca, mas claro nem todas as ciências evoluem ao mesmo tempo.

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