29 de janeiro de 2014

Neurodireito: o avanço das neurociências e as implicações na atividade jurídica

Pode parecer, grosso modo, que a expressão “neurodireito” venha a soar um tanto quando estranha. Todavia, os avanços das neurociências são, hoje, elementos que não podem mais passar despercebidos pelos estudiosos das bases das mais diversas áreas do saber. E, em nosso caso, afirmamos que as inovações neurocientíficas exigem também que os teóricos do direito se debrucem sobre esta temática.
Segundo alguns autores, tal debate alcançou a corte Suprema dos Estados Unidos com o caso de que adolescentes menores de dezoito anos, sem patologia cerebral alguma – indivíduos “normais” clinicamente falando –, tenham cometido atos brutais de assassinato. E, neste caso, tais jovens devem ou não ser condenados à pena de morte? O tribunal escutou pela primeira vez argumentos que não provêm da psicologia, nem da psiquiatria, nem de interpretações psicanalíticas, nem mesmo de justificações sócio-econômicas, senão diretamente dos conhecimentos atuais provindos das neurociências acerca de como se desenvolve e funciona o Sistema Nervoso Central e Periférico.
Hoje em dia, um campo novo de investigação filosófica está trazendo tanto para neurociência quanto para o direito sérias questões que podem implicar numa renovação de praticamente toda a estrutura do próprio fazer jurídico. Tal área é conhecida como Neurofilosofia. De modo geral, a neurofilosofia entende que é possível que a estrutura funcional do cérebro humano pode ser a causa causante da própria atividade filosófica. Como este não é o ponto crucial de nosso comentário aqui exposto, não adentraremos numa argumentação sofisticada sobre a neurofilosofia, mas sim, das implicações que esta possibilidade criará para o próprio direito. Neste caminho, notamos que existe a possibilidade da existência do Neurodireito. Ou seja, de que o próprio direito venha a se apresentar como sendo o resultado dos processos físicos das atividades neurológicas dos indivíduos humanos.
Este novo caminho abre questões do tipo: i) poderão as normatizações jurídicas existirem sem um sofisticado entendimento das atividades cerebrais humanas? ii) conceitos como justiça, cidadania, ética, valor da vida humana serão termos cujos significados dependerão diretamente do comportamento cerebral? iii) até que ponto o entendimento da atividade cerebral implicará na atividade cotidiana dos operadores do direito? iv) caso o direito seja mesmo o resultado da atividade cerebral, como ficará a elaboração das normas jurídicas tendo em vista a grande morosidade que existe para o fazer científico (em nosso caso das neurociências e neurofilosofia)?
As questões acima apresentadas são apenas algumas das muitas que se desdobrarão a partir da defesa da existência de um novo ramo do saber chamado Neurodireito! Este novo paradigma é muito recente, todavia, ele não pode mais ser deixado de lado. Se assim procederem, os estudiosos das ciências jurídicas poderão estar jogando fora a química e serem condenados a passar o resto de suas vidas tentando transformar ossos em ouro! O preço por tal descuido pode ser comparado às bruxas medievais que terminaram seus dias ardendo em fogueiras acesas pela ignorância e incautos de pensamentos solipsistas.


Texto de Nivaldo Machado e Samantha V. Vieira

16 comentários:

  1. Não sabia que este campo já tinha surgido formalmente, mas mesmo assim já tinha ouvido muitas críticas sobre ele, das quais não obtive conhecimento profundo ainda por falta de oportunidade. Principalmente foucaultianos odiariam essa iniciativa.

    i) poderão as normatizações jurídicas existirem sem um sofisticado entendimento das atividades cerebrais humanas?

    Não todas. Acho que um dos problemas das ciências humanas em geral é exatamente o fato de não incorporar em suas teorizações e práticas, achados das áreas biológicas. É como se o ser humano (ou a mente humana) existisse como uma gosma fantasmagórica que pairasse sobre as nossas cabeças, sem conexão alguma com a biologia.

    Existem situações nas quais o questionamento neurobiológico se faz bem pertinente: por exemplo, será que jovens infratores podem ser julgados do mesmo modo que adultos infratores, já que os cérebros dos primeiros ainda está em desenvolvimento, de modo que a capacidade de auto-controle e tomada de decisão ainda não estejam totalmente formadas?

    E no caso de pessoas com transtorno de personalidade antissocial, cujos estudos indicam que possuem déficits de ativação emocional, o que interfere na capacidade empática e de tomada de decisão, predispondo-as a quase todo tipo de ato imoral...??

    Talvez o "neurodireito" lance um pouco de luz nesses casos. Mas, olhando por outro ângulo, acho que é possível dizer que o conhecimento da neurociência acarretaria tantas consequências para o Direito quanto a descoberta do funcionamento das partes de um avião acarretaria para a sua condução por parte do piloto. Isso significa que em alguns casos ficaremos exatamente onde estamos, mas em outros - como os exemplos que citei - poderemos começar a tomar decisões mais acertadas baseados justamente no conhecimento mais apurado de como funcionamos.

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  2. Felipe, particularmente não sou um apreciador de Foucault no que tange a sua filosofia (sinceramente, não o entendo como filósofo!), todavia, concordo com você (pelo menos creio que tens também esta preocupação) de que o Neurodireito ainda careça de muito estudo para ser considerado um campo legítimo de investigação. Também tenho sérias críticas ao modismo atual de que existe "neuro-Isso", "Neuro-aquilo", "neuro-outro...". Todavia, creio sim que a preocupação científica e filosófica neste área venha a ser muito importante. O direito de modo geral é ainda muito carente de estudos sérios advindos das neurociências para auxiliar no seu fazer. Particularmente, sou COMPLETAMENTE a favor de que diversas bases teóricas que sustentam as ditas "ciências Jurídicas" venham a ser revistas! Muita coisa não dá mais de se admitir nos dias atuais!
    Mas, o intuito desta postagem era exatamente o de ser provocativo!

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  3. Dentro da atividade jurídica a questão das neurociências martela a cabeça de muitos Magistrados, martela a cabeça da União, do próprio Estado e de qualquer empresa pública ou privada.
    Martela porque o ser humano está passando por uma nova etapa, construída por épocas, e constituída de inovações.
    Inovações que não parecem nada simples para dias envoltos hoje em modismo de protecionismo, que freia a dianteira de nosso presente tempo.
    Este tema é um assunto inédito e delicadíssimo, onde o Estado e o Direito não podem mais ficar de fora.
    IV - Caso o direito seja mesmo o resultado da atividade cerebral, como ficará a elaboração das normas jurídicas tendo em vista a grande morosidade que existe para o fazer científico (em nosso caso das neurociências e neurofilosofia)?
    R – A elaboração das normas jurídicas a meu ver, ficará por um período de tempo ainda debruçado entre a " interessante amizade pessoal e o abuso de poder discricionário. Isto por que a causa e efeito ainda permeiam a relação usual de Advogados "inexperientes" que deixam para o Estado democrático dentro de seus tribunais, vitórias consideráveis, e transferem o peso de seus fracassos e de suas derrotas maçantes em cima das costas dos mais fracos, instruídos pelo liberalismo controverso que assola a sociedade civil.

    III - Até que ponto o entendimento da atividade cerebral implicará na atividade cotidiana dos operadores do direito?
    R – A abstração de grande parte do Direito é o motivo de inúmeras injustiças, que povoam o mundo dos que não são honestos e paralisam simples atividades motivadoras de comuns cidadãos, escravos do analfabeto legado imposto pelo liberalismo despraticado polêmico e controverso dentro do mundo do sofrimento humano.
    No Direito público, as causas trabalhistas não ficam de fora, não ficam isoladas de injustiças e impunidades. A " interessante amizade pessoal" de alguns comissionados ou administrativos é algo bem comum, vislumbrado ( a ), por partes que tratam a impessoalidade, ( ou seja: significa que, o servidor público não pode beneficiar ou prejudicar alguém só porque esse alguém é seu amigo ou inimigo), como algo matador, intocável e controlador.
    Algo que o Direito ainda aguarda ansioso para resolver, em se tratando de impessoalidade e de "interessantes amizades pessoais" como algo abstrato, desprezando às vezes certos cidadãos comuns e trazendo dificuldades para alguns advogados no quesito de sua prática, através do receio de fracassarem. Mesmo por que a soberania ainda é o ¹senhor do Direito, e assim alguns juízes acreditam ter superioridade sobre o causídico.
    Não quero me referir aqui somente aos pontos negativos mencionados. Temos normas muito bem elaboradas, e o problema do Estado não se assenta somente nestes itens acima mencionados. O que o Estado democrático está é: “apavorado”, ele vem muitas vezes com embalo, tentando driblar as ocasiões em poder de aproveitamento de "interessante amizade pessoal”, que a impessoalidade não resolveu, sem contar com os abusos de poder discricionários que cada cargo público detém.
    Esta temática do Neurodireito no avanço das neurociências e nas implicações da atividade jurídica não poderá mais ser discutida por resistência, pois não se pode mais sentar e cruzar as pernas nestes recentes passos que o rumo das novas fontes do Direito instala e implantam dia após dia.
    São tempos de marcos que traçam vanguarda, colocam de cabeça para baixo muitos defensores oficiosos, e opositores da atividade jurídica. Inicia-se uma mudança total de horizontes em uma nova rota determinada por aquilo que muitos despreparados ainda insistem em negam.
    ¹ O Estado liberal ou ´Estado de direito legislativo” é como se refere Gustavo Zagrebelski, “o senhor do direito” sendo visível uma total confusão entre lei e direito. O direito é o que está na lei e a justiça é o que a lei determina. (o pós-positivismo e a teoria dos princípios constitucionais, Serie CADERNOS UNIDAVI).

    Edson Stofela

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  4. Enquanto processos básicos, em alguma medida as atividades cerebrais se bastam em si (ainda que se possa sofrer por algum tempo, como no caso do controle de temperatura, da qual vocês andam reclamando aí no sul, das interferências ambientais). Mas com processos superiores, a coisa fica um pouco complicada. Conhecimento, experiência, etc., envolvem processos que não se reduzem ao cérebro e, ele mesmo, como coisa plástica, sofre modificações ambientais. Assim, parece muito perigosa toda a redução aqui proposta. Nem o "crime" nem a "moral" parecem caber no cérebro. Alguma coisa, eu acho, parece vazar - de fora pra dentro e vice versa.

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  5. Nivaldo,

    Também tenho certo tique nervoso com Foucault e foucaultiano. Ele nunca me pareceu um filósofo, está mais para uma espécie de historiador-sociólogo - não que isso o desmereça. Mas, já que tocou nesse ponto, o que mais me incomoda é a arrogância típica de seus seguidores. Para uma trupe que prega a inexistência de verdades ou de conhecimento verdadeiro, eles se acham demais os donos da razão. Tem que ver quando tem matéria eletiva de foucaultianos: eles agem quase como se a disciplina fosse deles e que lá no mundo deles, eles fazem as regras, eles não podem ser refutados. haha

    Sobre as neurocoisas, existe uma tendência que encara esse assunto com muita superficialidade, ignorando vários outros pontos importantes para debates sobre a causalidade envolvida no cérebro e no comportamento em relação ao ambiente, a própria noção de consciência parece ser ignorada em certo sentido também etc.

    Porém, como entusiasta da área de neurociência, fico muito empolgado quando reflexões sérias e profundas são criadas baseadas em dados científicos - sem que TODA a questão também seja reduzida às descrições de experimentos científicos, o que também empobrece um pouco a discussão.

    Mas também estou otimista quanto a essa influência da neurociência no Direito. Realmente acho que é uma área carente de novos conhecimentos sobre o funcionamento do ser humano, por assim dizer.

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  6. Jean,

    Seu comentário foi interessante. Ele parece se pautar num certo temor do reducionismo. Particularmente, não vejo nenhum problema com o reducionismo.

    O que se deseja não é desvincular o comportamento do meio ambiente, mas de entender como isto (o comportamento) surge na relação entre organismo e meio. Nesse sentido, é completamente válido entender o organismo (aí se insere o conhecimento neurocientífico). Como não somos uma tábula rasa, entra aí também a questão de entender os vieses que o organismo impõe nessa relação com o ambiente. Tudo isso é importantíssimo e promissor. Não concorda?

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  7. Temos um ditado na ciência que diz: “a eminência de um cientista é medida pelo tempo em que ele impede o progresso”.
    O reducionismo cartesiano ainda contribui.
    A “plasticidade” se tornou ao longo do tempo respeitável: com o conceito de que o pensamento pode mudar a estrutura física do cérebro e vice e versa.
    Pelas modificações ambientais hoje, o clima e o oxigênio tornam-se com certeza assunto, de sobrevivência, e processos superiores como conhecimento, experiência são complicados eu concordo. Eu estou defendendo pontos e apontando incoerências através de um padrão que se interliga desde Darwin, Mendel, Fisher, Haldane, John Maynard Smith e Richard Dawkins.
    Estou certo que é um assunto dificílimo e eu alarguei um pouco o ditado do tema, mas é que autores sobre estado, legislação, medicina, economia, direito, química, fisiologia, etc, não escrevem só em um livro este tema, assim eu pretendo conseguir usar a neurociência para o neurodireito, e desmembrar novos ramos do conhecimento em condecoração do presente momento.

    Edson Stofela

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  8. Edson

    O que exatamente vc está chamando de reducionismo cartesiano? Não sei se compreendi adequadamente.

    'A “plasticidade” se tornou ao longo do tempo respeitável: com o conceito de que o pensamento pode mudar a estrutura física do cérebro e vice e versa.'

    Talvez essa frase tenha que ser reformulada se não quisermos cair num dualismo cartesiano.

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  9. Sim, Obrigada Felipe, foi erro meu.
    Correção efetuada.
    Temos um ditado na ciência que diz: “a eminência de um cientista é medida pelo tempo em que ele impede o progresso”.
    O reducionismo ainda contribui.
    ........

    Quero me referir a Descartes como o pai do reducionismo.

    Obrigado pela atenção.

    Edson Stofela

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  10. Olá Rafaela, boa tarde!

    Talvez eu esteja por aqui pela segunda vez trazendo um convite a você para fazer parte do Projeto Educadores Multiplicadores. O objetivo do projeto é unir e divulgar blogs de educadores.

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    Irivan

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  13. Quanto às questões levantadas no texto:

    i) poderão as normatizações jurídicas existirem sem um sofisticado entendimento das atividades cerebrais humanas?
    Sim, as normatizações jurídicas existiam desde muito antes de se saber da importância de um cérebro.

    ii) conceitos como justiça, cidadania, ética, valor da vida humana serão termos cujos significados dependerão diretamente do comportamento cerebral?
    Não.
    Concordo com o Segata, estes termos não se reduzem ao cérebro. Além do mais, não parece plausível explicar estes termos com base em uma descrição das propriedades físico-químicas do cérebro dos juristas... Seria como explicarmos porque Joana D’Arc foi queimada numa fogueira durante a idade média com base nas leis físicas que mostram como a combustão da lenha pode ocorre. Ou como explicar o funcionamento de um motor com base nas partículas subatômicas do mesmo. Há casos em que explicações microscópicas são irrelevantes para dar conta dos fenômenos. E Diego você que não teme o reducionismo, como resolves o hiato explicativo? os processos bioquímicos relacionados à dor, não me parecem suficientes para explicar o que é sentir dor. O aspecto subjetivo do “sentir dor” não é explicado pela descrição física, isso não nos permite saber como o cérebro poderia causar estados subjetivos. Isso tudo se refere á passagem de um ponto de vista de terceira pessoa (uma descrição física) para à perspectiva de primeira pessoa (descrição subjetiva). Como fazer a tradução?

    iii) até que ponto o entendimento da atividade cerebral implicará na atividade cotidiana dos operadores do direito?
    Em nada, o fato de eu saber que tipo de reações fisico-químicas estão acontecendo quando vou dar uma cagada, não implica que eu vá agir de forma diferente à que estou habituado. Se houver alguma implicação, talvez seja referente à questão das penas etc. mas isso não é uma atividade cotidiana, e deve ser respondida por um jurista.

    iv) caso o direito seja mesmo o resultado da atividade cerebral, como ficará a elaboração das normas jurídicas tendo em vista a grande morosidade que existe para o fazer científico (em nosso caso das neurociências e neurofilosofia)?
    pode-se fazer normas jurídicas sem que afinal, precisa-se acompanhar os desenvolvimentos neurocientíficos. (se bem que mal da pra entender a questão)..

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  15. Acho promissor os estudos do neurodireito, principalmente na resolução da problemática da causa causante...

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  16. Thais Fernanda Martins27 de maio de 2014 às 16:49

    Ao ler este artigo, tirei todas as minhas dúvidas a respeito do assunto, Neurodireito. Achei muito completa a sua conclusão a respeito do assunto.

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