4 de abril de 2013

METAFÍSICA E FILOSOFIA DA MENTE

E. J. Lowe
Universidade de Durham

A filosofia da mente não se interessa apenas pela análise filosófica de conceitos mentais ou psicológicos. Ela está também intimamente envolvida com questões metafísicas. Metafísica - que tem sido tradicionalmente considerada a raiz de toda a filosofia - é a investigação sistemática da estrutura mais geral da realidade. Ela inclui, como uma importante subdivisão, a ontologia: o estudo de quais categorias gerais de coisas existem ou poderiam existir. A filosofia da mente está envolvida com a metafísica porque ela tem algo a dizer sobre o estatuto ontológico dos sujeitos de experiência¹ e seu lugar dentro do esquema mais amplo de coisas. Nenhuma ciência especial - nem mesmo a física, muito menos a psicologia - pode roubar o papel da metafísica, porque toda ciência especial pressupõe um quadro metafísico com o qual interpreta seus resultados experimentais. Sem uma concepção geral coerente de toda a realidade, não podemos esperar tornar compatíveis as teorias e observações das muitas e diferentes ciências: e fornecer tal concepção não é a tarefa de qualquer dessas ciências, mas antes da metafísica.

Algumas pessoas acreditam que a era da metafísica é passado e que o que os metafísicos desejam encontrar é um sonho impossível. Eles alegam que é uma ilusão supor que seres humanos podem formular e justificar uma imagem não distorcida da estrutura fundamental da realidade - ou porque a realidade é inacessível para nós ou então porque é um mito supor que uma realidade independente de nossas crenças exista afinal. Para esses céticos eu respondo que o exercício da metafísica é inescapável para qualquer ser racional e que eles mesmos mostram isso nas objeções que levantam contra ela. Dizer que a realidade é inacessível para nós ou que não há qualquer realidade independente de nossas crenças é apenas fazer uma afirmação metafísica. E se eles responderem admitindo isso enquanto ao mesmo tempo negam que eles ou qualquer um pode justificar afirmações metafísicas por meio de argumentos racionais, então minha resposta é dupla. Primeiro, ao menos que eles possam dar-me alguma razão para pensar que afirmações metafísicas nunca são justificáveis, eu não vejo porque devo aceitar o que eles dizem sobre isso. Segundo, se eles pretendem abandonar completamente argumentos racionais, mesmo aqueles em defesa de suas próprias posições, então não tenho nada mais a dizer a eles porque eles se excluíram de qualquer debate futuro.

A metafísica é inescapável para qualquer pensador racional, mas isso não quer dizer que o pensamento e raciocínio metafísicos sejam fáceis ou infalíveis. A certeza absoluta não é mais alcançável em metafísica do que o é em qualquer outro campo de investigação racional e é injusto criticar a metafísica por falhar em alcançar aquilo que não se espera que nenhuma outra disciplina - nem mesmo a matemática - alcance. Nem é a boa metafísica realizada de maneira isolada da investigação empírica. Se queremos saber sobre a estrutura fundamental da realidade, não podemos ignorar o que os cientistas empíricos bem informados nos dizem sobre o que, em sua opinião, existe no mundo. No entanto, a ciência apenas pretende estabelecer o que de fato existe, dada a evidência empírica que temos disponível. Ela nem pretende e nem pode nos dizer o que poderia ou não poderia existir, muito menos o que deve existir, pois estas são questões que vão além do escopo de qualquer evidência empírica. Mas a ciência em si pode apenas usar a evidência empírica para estabelecer o que existe de fato à luz de uma concepção coerente do que poderia ou não existir, porque a evidência empírica pode ser apenas evidência da existência de coisas da qual a existência é ao menos genuinamente possível. E fornecer tal concepção é uma das principais tarefas da metafísica.

O objetivo de tais observações é enfatizar que não pode haver progresso tanto na filosofia da mente quanto na psicologia empírica se a metafísica for ignorada ou abandonada. Os métodos e descobertas dos psicólogos empíricos e outros cientistas, por mais valiosos que sejam, não são substitutos para a metafísica nas investigações do filósofo da mente. Nem deve nossa metafísica estar servilmente subordinada à moda científica predominante. Cientistas inevitavelmente têm suas próprias crenças metafísicas, frequentemente não ditas e não refletidas, mas seria uma completa renúncia de responsabilidade filosófica um filósofo seguir a perspectiva metafísica de algum grupo de cientistas apenas em consideração à sua importância como cientistas. Devemos ter a oportunidade de prestar atenção a essa advertência de tempo em tempo em nosso exame dos problemas com que a filosofia da mente lida.


NOTAS

1. Aquele que tem experiências. "Experiência" aqui é entendida em um sentido amplo que abarca qualquer tipo de sensação, percepção ou pensamento. [N. do Trad.]

Tradução de Eduardo Benkendorf
Retirado de An Introduction to Philosophy of Mind, de E. Jonathan Lowe. (Cambridge: Cambridge Univ. Press, 2000. pp. 03-06).

3 comentários:

  1. Eduardo, eu não tenho uma boa leitura deste autor. Todavia, a chamada de atenção é sim MUITO pertinente. Creio que uma das principais tarefas do filósofo quando se debruça sob um determinado objeto/área, no caso, as relações mente-cérebro, não pode simplesmente "entrar na onda" dos avanços/descobertas científicas/tecnológicas. Isso seria tão ingênuo quanto simplesmente descartar tais contribuições vindas das ciências experimentais. A muito tempo já venho defendendo que a VIRTUOSIDADE INTELECTUAL é que deve ser o elemento balisante da investigação. Por isso, fico com medo de demarcar com tanta facilidade quando o trabalho é filosófico ou científico (sei que discutir isso é interessante), mas, prefiro a clareza argumentativo no tratamento do problema e a seriedade no proceder desta atividade como critérios FUNDAMENTAIS.

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  2. Ótimo texto, sempre me interessei por metafísica pelo fato de ter como um dos objetivos estudar a essência do mundo e levar a pessoa a pensar com mais clareza. Parabéns!

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  3. Ótima matéria, se estudar seus íntimos nos leva a crer cada vez mais na existencia de um universo paralelo dentro da mente de cada pessoa.

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